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Plano de Voo

Tabuleiro global

Há algum tempo atrás, fui convidado para fazer uma palestra na China. Após aceitar o convite, enquanto aguardava a chegada do bilhete, fiquei pensando cá com meus botões: “Aposto que a viagem vai ser feita em uma das três grandes empresas aéreas do Golfo Pérsico, Emirates, Qatar ou Etihad”. Bidú: o bilhete eletrônico para Beijing era na Emirates, via Dubai.

Porque o espanto? Ora, quando pessoas como eu, que já dobraram a esquina dos 50 anos, pensavam em viagens internacionais, sobretudo para a Ásia, normalmente havia duas rotas habituais: via América do Norte ou Europa. Hoje, é possível ir para o outro lado do mundo, além destes dois caminhos tradicionais, via América do Sul, Oriente Médio ou África. Bem-vindos à nova geopolítica aérea.

Nessa nova realidade, os “players” tradicionais, as empresas aéreas da Europa e América do Norte, passaram a enfrentar fortíssima concorrência de outras companhias menos tradicionais, mas nem por isso inferiores sob qualquer aspecto. Muito pelo contrário: essas novas e agressivas companhias aéreas estão dando um show em termos de serviços.

Tudo começou na segunda metade dos anos 80, quando empresas dos Emirados Árabes começaram a receber generosos investimentos dos governos locais. Na lógica dos sheiks, califas e emires, os Emirados precisavam ser “reinventados” como atrações de turismo e negócios, e não apenas faixas de areia banhadas em petróleo. E para que isto se tornasse realidade, eles deveriam contar com empresas aéreas nacionais de primeira linha. A partir de então, estes dois objetivos vem sendo perseguidos espetacularmente – e plenamente alcançados.

A primeira a ganhar proeminência foi a Gulf Air. Logo depois, vieram a Emirates, Qatar Airways, Etihad e, em menor escala, a Oman Air. Hoje, me arrisco a dizer, Emirates, Qatar e Etihad são as mais ousadas, inovadoras e competitivas empresas aéreas no cenário da aviação comercial. Isso foi fruto de uma combinação vencedora de ousadia, trabalho duro e um plano sólido de negócios. Além das decisões visionárias de seus respectivos governos, estas empresas puderam se beneficiar de quatro fatores fundamentais para suas pretensões globais: investimentos maciços, petróleo (e respectivo combustível) praticamente de graça, posição geográfica privilegiada e o desenvolvimento de novas aeronaves de ultra-longo alcance.

Situadas no coração do Oriente Médio, estas empresas podem voar, com seus reluzentes A380, A350, 777 ou 787, virtualmente para qualquer destino no mundo sem escalas. Empresa aérea nenhuma na América do Norte ou Europa pode fazer o mesmo. Todas acabam ficando a pelo menos uma escala de vários destinos internacionais – pelo menos por enquanto. Foi justamente com o advento desta nova geração de aeronaves com ultra-longo alcance, que permitiu ao “triunvirato” das Arábias construir uma malha de rotas praticamente toda ela non-stop. O que é fundamental para a construção de sistemas de transporte que alimentam poderosamente seus hubs. Assim, é possível a cada uma destas três empresas unir pares de cidades tão distantes como Auckland a Manchester, Los Angeles a Mumbai ou Guarulhos a Beijing com uma única escala em seus moderníssimos hubs de Dubai, Doha ou Abu Dhabi.

Essas vantagens não passaram em brancas nuvens. Por exemplo, a australiana Qantas desfez seus acordos históricos com a British Airways e, em 2013, anunciou uma ampla, agressiva e bem-sucedida colaboração com a Emirates. Desde então, a “Kangaroo Route”, a linha que historicamente une Sydney a Londres, vem fazendo escala em Dubai, substituindo as tradicionais ligações via sudeste asiático.

As companhias aéreas do Velho Continente (e dos Estados Unidos) acusaram os sucessivos golpes (entenda-se: perda de passageiros e negócios) e vêm protestando junto aos seus governos. Estes, por sua vez, vêm fazendo ouvidos de mercador. Afinal, o “triunvirato” tem dezenas de bilhões de dólares de compras já realizadas, outras centenas de bilhões em aviões encomendados junto à Airbus e Boeing – de quem são hoje, alguns dos principais e portanto, mais influentes clientes. A trama fica cada vez mais intensa e complexa.

Se para o passageiro comum estas três empresas mostram vantagens inegáveis, aliando os melhores serviços aos mais modernos equipamentos e preço extremamente competitivos, para o trade elas têm igual importância. A combinação imbatível de alta qualidade com tarifas atraentes é receita certa para criar ou estimular demanda por viagens aéreas. Ou seja: as empresas dos Emirados estão ampliando o número de viagens e viajantes intercontinentais e negócios para nossa indústria.

Nas próximas décadas, a tendência deve se manter. O que vale dizer: se antes Paris, Londres, New York e Frankfurt eram destinos certos para conexões, é hora de começar a pensar em Doha, Abu Dhabi, Bahrein ou Muscat como provável escala para nossos deslocamentos e de nossos clientes e parceiros. Bilhões de dólares, milhares de empregos e o prestígio das nações envolvidas estão em jogo – e nesse tabuleiro, ninguém está disposto a perder. Continua sendo fascinante observar a batalha geopolítica do transporte aéreo sendo disputada palmo a palmo, rota a rota, pax a pax, tendo por um lado os altos cacifes dos califas e, no canto oposto, os velhos barões do Velho Continente. Quem viver, voará.

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