
Os últimos dias têm sido intensos para os Estados Unidos após a posse de Donald Trump, que aconteceu em 20 de janeiro. Logo em seu primeiro dia de mandato, Trump assinou um total de 46 decretos radicais que causaram polêmica mundo afora. Entre eles, cerca de nove estão relacionados ao combate aos imigrantes ilegais.
Além disso, somente durante a última semana, muitos países latino-americanos receberam aviões com centenas de deportados, incluindo o Brasil. Com essas promessas de Trump tomando forma, muitos brasileiros que moram nos Estados Unidos estão apreensivos.
Será que tudo isso quer dizer que todos os imigrantes devem temer essas políticas e esperar que um dia sejam deportados? Wagner Pontes, CEO da D4U Immigration e especialista em imigração, diz que não é bem assim.
Os alvos de Trump 2.0
Existe uma ideia popular – e isso devido às falas radicais de Donald Trump durante sua campanha – de que o atual presidente dos EUA é totalmente contra a qualquer tipo de imigrante. Pontes explica que, na verdade, “Trump é contra o imigrante que chega aos Estados Unidos de forma irregular, aquele que atravessa a fronteira de forma clandestina, por exemplo, ou aquele que chega com o visto de turismo, e depois dá um jeitinho”, ou seja, o imigrante ilegal.
“Ele também não é a favor daquele processo de asilo, ainda mais processos frívolos, como a gente chama no meio legal, que são aquelas petições que a pessoa faz para ganhar seis, oito, dez anos de permanência enquanto o processo rola. Então, o Trump é contra este tipo de imigração”, acrescenta.
Para Wagner, existe uma divisão entre o imigrante que Trump é contra, e o que ele chama de “bom imigrante”, que seriam os profissionais bem qualificados, os investidores e os empreendedores.
“Existe ainda o mito de que para se tornar um cidadão americano ou atingir o green card, você precisa casar com um cidadão americano, fazer investimentos altíssimos ou ter um currículo nível ‘ganhador do prêmio Nobel’, e não é. Os processos estão muito flexíveis desde a última jurisprudência de 2017, que permite, por exemplo, que alguns profissionais apenas com cinco anos de experiência comprovados, consigam o green card”, explica.
Além disso, o especialista afirma que, por mais que existam mais de 12 milhões de imigrantes ilegais nos Estados Unidos, isso não significa que todos eles serão deportados, mesmo que estejam na mira do novo governo.
“Hoje, tanto a USCIS quanto o ICE e o CBP, ou seja, os três órgãos ligados à imigração americana, não teriam nem corpo, nem time, staff suficiente para deportar tantas pessoas. Fora todo o processo de deter essas pessoas, acionar a corte em alguns casos, fazer o trâmite aéreo, então é impossível. É claro que durante a campanha, ele, falando para essa ala mais conservadora, ele fez essa promessa de deportar todos os ilegais, mas sabemos que isso fisicamente, operacionalmente, é impossível”.
Por essa razão, Wagner acredita que o presidente vai atacar, em um primeiro momento, aqueles imigrantes indocumentados que cometeram algum tipo de crime, como DUI [Driving Under the Influence / aqueles que foram pegos dirigindo sob a influência de álcool], ou aqueles que não pagam impostos devidamente.
Ainda que venham a se tornar foco daqui um tempo, “existem muitos imigrantes indocumentados que constituíram empresa, que tem algum tipo de sucesso, que empregam pessoas, que pagam impostos, que contribuem para o país e, por isso, não devem ter problema nesse início de governo”, declara Wagner.
Metas diárias de deportação
Apesar disso tudo ser verdade, houve denúncias, durante o final de semana, de que nem todos esses imigrantes deportados nos últimos dias têm passagem pela polícia. Em entrevista para a CNN dos Estados Unidos, o governador de Illinois, JB Pritzker, afirmou que a situação “é perturbadora” e que a polícia está “indo atrás de pessoas que respeitam a lei”.
Só no último domingo (26), 1,2 mil imigrantes foram detidos, de acordo com a Agência Federal Imigração e Alfândega dos EUA (ICE). Desde o início do mandato de Trump, há cerca de uma semana, mais de 2,3 mil pessoas foram detidas. O jornal americano The Washington Post, por sua vez, anunciou que a meta de Trump é aumentar o número de deportações diárias para, pelo menos, 1,5 mil pessoas.
As buscas também estão acontecendo em locais que, antes, eram considerados seguros para imigrantes conviverem na sociedade americana. Donald Trump autorizou, na última quarta-feira (22), buscas da ICE em escolas, igrejas e locais de trabalho. “Criminosos não poderão mais se esconder dentro das escolas e igrejas da América para evitarem prisões”, afirmou o presidente.
A situação passou a alarmar os indocumentados, ainda que não tenham cometido qualquer tipo de crime, afinal, para além dos adultos, nesses lugares existem muitas crianças e adolescentes que também estão no país de forma ilegal. Distritos escolares, como o de Los Angeles, passaram a distribuir cartões vermelhos aos seus alunos, ou também chamadas de Tarjetas Rojas.
Até mesmo no TikTok, diversos profissionais da educação passaram a gravar vídeos incentivando a ação, o que iniciou a trend “Not My Students” – ou “os meus estudantes não”, em tradução livre. Esses cartões contém informações, escritas tanto em espanhol quanto em inglês, que explicam aos imigrantes todos os seus direitos garantidos pela constituição americana, independentemente do status.
“Todas as pessoas nos Estados Unidos, independentemente da sua situação migratória, têm direitos e proteções garantidas pela Constituição. Os cartões vermelhos da ILRC ajudam as pessoas a afirmarem os seus direitos e a se defenderem em muitas situações, como quando agentes ICE vão até suas casas”, explica o site da ILRC (Immigrant Legal Resource Center – Centro de Recursos Jurídicos Para Imigrantes).
Entre alguns direitos estão o direito de se manter calado, apenas afirmar algo na presença de um advogado, e o direito de não abrir a porta de casa se um agente da ICE estiver do lado de fora.
Estou ilegal, e agora?
Mesmo que a situação seja ilegal, esse não é necessariamente o fim. Além dos direitos garantidos por lei para proteção própria, o imigrante ainda tem chances de regularizar a sua situação, mesmo que esses casos sejam mais complicados de trabalhar.
“Tem sim como se legalizar. Em alguns casos existe uma possibilidade de waiver [pedido de perdão legal], também a depender do histórico profissional dessas pessoas. As pessoas que estiverem nessa situação precisam procurar de fato um escritório especializado para primeiro resolver a questão da elegibilidade no sentido do background profissional, e depois que se inicie um processo com essa possibilidade do waiver”, explica Wagner.
Apesar disso, possivelmente o maior conselho que Pontes pode dar é que o imigrante busque a informação correta sobre o processo, e não faça as coisas de forma ilegal, já que existem outras inúmeras formas de migrar legalmente. “O brasileiro tem um complexo de vira-lata de achar que ele não é suficiente para o Green Card, mas isso não é verdade. Não precisa fazer as coisas com um ‘jeitinho’, atravessar a fronteira, ou ajustar o status depois de chegar ao país”.
“Existem aplicações de Green Cards que custam US$15 mil. A gente vê pessoas pagando US$20 mil por pessoa, ou até bem mais, para atravessar a fronteira de coiote. Então não faz sentido para aqueles que são elegíveis”, destaca.
Emissão de vistos
Por fim, o especialista tranquiliza aqueles que ainda entrarão no processo de retirada de vistos, e afirma que, apesar das medidas tomadas por Trump nos últimos dias, não existe nenhuma normativa para que a tramitação sofra qualquer tipo de mudança no Brasil. “Os consulados tendem a seguir as mesmas regras que sempre existiram. Nós não acreditamos que o Trump vá mexer naquilo que tem dado certo e naquilo que normalmente é feito de maneira correta”.
Tem dado tão certo que, só no ano passado, 81 mil vistos de trabalho temporário H1B foram concedidos para brasileiros, e cerca de 1,1 milhão de vistos de turismo foram facultados, o que evidencia uma boa relação entre os dois países até o momento.