
“Um ano depois estamos conseguindo nos recuperar”. Descrever o que aconteceu no Rio Grande do Sul entre o final de abril e o início de maio de 2024 é um desafio. Foram dias de uma chuva incessante, rara em intensidade e devastadora em consequência, que transformou cidades em rios, paralisou um estado inteiro e deixou rastros de destruição por todos os lados. Com mais de 60% do território gaúcho submerso, a maior tragédia climática da história do estado trouxe incontáveis histórias de perda e reconstrução. Uma delas é a da Sinostur, tradicional agência de viagens de São Leopoldo, fundada há duas décadas por Ernani Cassel.
O nome da empresa remete ao Rio dos Sinos, que atravessa a cidade e, naquele maio, foi protagonista de um episódio dramático. “A gente sempre teve cuidado. Construímos a loja um metro acima do nível da rua, achando que era seguro. Mas não havia como prever a força daquilo tudo”, relembra Ernani.
Na madrugada de 4 de maio, enquanto acompanhava um grupo de cem passageiros no resort Transamérica, em Comandatuba (BA), ele assistiu pelas câmeras de segurança à água invadir completamente a sede da agência. Eram 4h da manhã.

Com mais de dois metros e meio de água em algumas ruas, São Leopoldo se tornou irreconhecível. “Só se via barcos e jetskis. Minha mãe precisou sair do apartamento no centro às pressas. Colegas perderam tudo. Era um cenário de guerra. E nós, do outro lado do país, tentando voltar com cem clientes, sem aeroporto funcionando”, compartilhou Ernani.
A logística foi caótica. O grupo só conseguiu retornar via Florianópolis, com resgate feito por ônibus de dois andares, enfrentando estradas bloqueadas e desvios por todo o caminho. “A ficha demorou a cair. Imaginávamos que em dois, três dias tudo voltaria ao normal. Mas o Aeroporto Salgado Filho só reabriu em outubro. Era impensável”.
Uma dor tão profunda quanto a pandemia
Para quem enfrentou a pandemia com coragem, a enchente trouxe um impacto ainda mais duro. “Na pandemia, o mundo parou junto. Todo mundo falava a mesma língua. Mas quando tentávamos explicar para um hotel em Curaçao ou para um receptivo na Europa que nosso estado estava submerso, ninguém compreendia.” A dor era local, mas o trabalho, global.
A preocupação dos clientes ia muito além de viagens canceladas. “Muita gente perdeu casa, emprego, escola. Os pedidos de reembolso não eram por capricho: as pessoas precisavam comprar colchão, comida, roupa. Foi mais difícil lidar com isso do que com a pandemia”, revelou.
A sede da Sinostur perdeu tudo: móveis, computadores, documentos, e memórias. “Virou entulho. Cada rua era uma montanha de restos de vida. Montamos um escritório improvisado no mezanino, como um call center, só para dar suporte. Não havia vendas. Só atendimento e negociação”.

Mesmo com a própria vida pessoal imersa no caos, ainda assim, o atendimento nunca parou.
“A questão era dar o suporte para o cliente no momento!”
“A questão era dar o suporte para o cliente no momento! O psicológico do gaúcho foi muito afetado. As escolas estavam fechadas, os filhos em casa, e não tinha como pedir ajuda. Quem podia ajudar também tinha perdido tudo. A gente não sabe de onde vem tanta força pra reconstruir, mas ela vem”, destacou o executivo.
A virada: da lama ao caos. Do caos, ao topo do pódio!
Em meio ao caos, Ernani e sua equipe começaram a reconstruir, peça por peça, com criatividade e parcerias. “Usei pontos do Shopping TudoAzul para comprar micro-ondas, cadeiras, o que fosse”, revelou.

Em junho de 2024, quando começou a campanha “Agente Tá On”, da Azul Viagens, a participação da agência já muito vitoriosa na campanha nem passava pela cabeça dos funcionários da Sinostur. “Nem cogitávamos participar. Estávamos reerguendo tudo, sem estrutura. Nem aparecíamos nos rankings.” Mas o cenário mudou nos meses seguintes.
A demanda reprimida explodiu após a reabertura do Aeroporto Salgado Filho, em outubro de 2024. O desejo de viver, viajar, celebrar a vida, tudo voltou. “As pessoas entenderam que os bens materiais vão embora. Querem aproveitar o agora. Tivemos uma Black Friday histórica, viramos noites vendendo até duas da manhã”, revelou Cassel.
A resposta veio em forma de reconhecimento: a Sinostur foi premiada pela Azul Viagens na campanha Agente Tá On, provando que, mesmo diante da destruição, havia espaço para crescer. A empresa foi a única do Estado a conquistar o prêmio.
Mais fortes do que nunca
A Sinostur celebra 20 anos de história. Uma marca que, depois de enfrentar uma pandemia e uma tragédia climática sem precedentes, segue adiante com orgulho e propósito. “Temos sede própria, com estacionamento, mezanino. Tudo novo. Mas o mais importante foi perceber que o que realmente construímos não é só estrutura: é vínculo, confiança e coragem”.

A agência é, há quatro anos, líder de vendas da Azul Viagens no Rio Grande do Sul. As placas de premiação, que ficaram guardadas e sujas após a enchente, voltaram às prateleiras limpas e reluzentes, símbolos de uma trajetória que renasceu das águas.
Um futuro com planos (e precaução)
Apesar da recuperação, o trauma permanece. “A cada chuva forte, o coração aperta. Estaciono em andar alto no aeroporto, fico alerta. Não dá mais pra ignorar.” A equipe implementou planos de contingência: impressoras e equipamentos em altura segura, móveis projetados para resistir. As novas cadeiras são de metal, nada mais de madeira. Tudo mais alto, simples e funcional, segundo Ernani.
Mas mais do que precaução, ficou o legado. “A força do povo gaúcho é uma coisa absurda. Todo mundo se ajudou. Recebi mensagens do Brasil inteiro, colegas oferecendo apoio, tentando remarcar clientes. Foi um momento de união”, disse.

E foi com essa união que a Sinostur se reergueu. Não apenas como agência de viagens, mas como símbolo de resiliência, um exemplo que inspira e emociona. Porque, como resume Ernani: “Depois de passar por tudo isso, qualquer overbooking vira detalhe. A gente aprendeu que pode com tudo”, finalizou.