
Nesta sexta-feira (30), a Azul realizou uma teleconferência para apresentar as próximas etapas do seu plano de reestruturação financeira, após uma audiência decisiva na Corte dos EUA.
Horas depois de anunciar oficialmente a entrada voluntária no Chapter 11 nos Estados Unidos, a Azul Linhas Aéreas convocou a imprensa para uma coletiva virtual nesta terça-feira (28). À frente das explicações estava Fábio Campos, vice-presidente de Relações Institucionais da empresa, que garantiu: a decisão não afeta o passageiro final e representa um passo importante na reorganização da companhia.
“Muitas perguntas que eu recebi, principalmente no dia de ontem, foram sobre impacto em relação aos consumidores, os nossos clientes. Eu queria deixar muito claro aqui para vocês que esse processo não gera nenhum impacto aos nossos clientes. Quem comprou bilhetes vai ter seus bilhetes honrados. Quem tem pontos no programa de fidelidade segue com os pontos, podendo usar dentro do programa normalmente. Seguimos comercializando passagens, seguimos operando normalmente. Nada muda.”
Um caminho para reequilibrar a dívida
Um dos fatores que agravaram a situação da Azul foi a falta de uma linha de financiamento estruturada para o setor aéreo no Brasil. “O setor aéreo não tem uma linha de financiamento perene, constante, sustentável, diferente de vários outros setores, como construção civil e setor agro, por exemplo.”
Embora o Congresso tenha aprovado o Fundo Nacional de Aviação Civil no ano passado, a implementação não avançou e os recursos não chegaram às companhias. “Foi um dos fatores que estavam na mesa, nas conversas com todos os nossos stakeholders, financeiros e estratégicos.”
Diante da ausência de apoio financeiro governamental no Brasil, a Azul optou por entrar com o pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos. “Pela impossibilidade de acessar esses fundos nesse momento, isso fez parte da equação. Fez parte do processo de discussão e decisório para a gente tomar as decisões que a gente tomou.”
Frota: o que está sendo mantido e o que será devolvido
Na prática, a companhia explica que alguns modelos que constam na lista de rejeição já não estão operando. “Os 2737 Cargueiros já não estão operando há um bom tempo e foram substituídos por 321 Cargueiros. Além disso, aeronaves mais antigas, como 9 Embraers, serão devolvidas aos arrendadores, porém ainda não há definição do número final.”
“Fechamos o acordo com a Aircap. Agora a gente abre uma frente de conversa com absolutamente todos os nossos lessores, para buscar a maior otimização possível da nossa frota.”
O financiamento emergencial (DIP) de US$ 1,6 bilhão
O chamado DIP (Debtor-in-Possession) de 1,6 bilhão de dólares é o pilar financeiro do processo. “Parte desse DIP vai ser usado para recomprar uma dívida que a empresa tem, basicamente essa dívida vai trocar de mão de quem emprestou lá atrás e de quem vai ser o novo dono dessa dívida que vai nos emprestar.”
O valor será desembolsado em etapas conforme cronograma acordado, com o primeiro montante de 250 milhões já aprovado em audiência. “Esse 250 milhões faz parte do total de 1,6 bilhões, e, na verdade, é um grupo todo que põe esse dinheiro.”
Para a fase final, a empresa já conta com recursos garantidos para a oferta pública de saída. “Os R$ 950 milhões vêm, na verdade, de um compromisso de R$ 650 milhões dos nossos credores e de R$ 300 milhões dos nossos parceiros estratégicos, que já garantiram que vão aportar esse capital.” Caso haja maior interesse do mercado, a Azul está aberta a analisar as propostas e escolher o capital que melhor se alinhe à sua estratégia. “Se surgir mais procura, ótimo, melhor ainda.”
O cronograma das audiências e etapas do processo
O processo judicial é marcado por diversas audiências específicas. A primeira audiência teve o objetivo de apresentar o caso para o juiz, detalhar a operação da Azul e os acordos preliminares. “Essa primeira audiência tem o intuito de apresentar o caso para o juiz, explicar o que é a Azul, como a empresa funciona, qual é o nosso caso específico, quais foram os acordos que nós fechamos para poder entrar no processo e fazer os pedidos de primeiro dia.”
A próxima etapa será a audiência do “segundo dia”, que não é a final, mas confirma ordens e trata novos pedidos. “Depois essa audiência de segundo dia, já com o comitê de credores formados, a gente começa a trabalhar no plano para poder apresentar o plano de saída.” A audiência final, chamada audiência de confirmação do plano, deve ocorrer até o final do ano. “A gente busca tentar concluir isso até o fim do ano, para que a gente possa sair.”
Plano de fusão com a Gol
Sobre a possibilidade de fusão com a Gol, a Azul mantém o foco na própria reestruturação. “Nosso foco está 100% voltado para a reestruturação da Azul. Acreditamos na construção do valor de forma independente. Estamos trabalhando com disciplina e estratégia.” Por enquanto, a companhia segue firme na construção do seu caminho, sem pressa para qualquer movimento de união ou parceria que possa desviar sua atenção do processo que está em curso.
O que foi pedido à corte?
Durante a coletiva, Campos explicou que a empresa entrou com uma série de solicitações iniciais, conhecidas como First Day Motions, para garantir a continuidade da operação. Foram mais de vinte pedidos aceitos sem objeção, tanto da corte quanto das partes envolvidas.
“A gente entra com o que se chama ‘First Day Incorporation’, onde contamos toda a história da empresa, colocamos tudo o que aconteceu para estarmos entrando nesse processo de reestruturação, e aí fazemos pedidos específicos. Como estamos sob supervisão da corte, muitos dos pedidos são operacionais — de dia a dia — como pagamento de impostos, manutenção de contratos e salários. Foi muito positivo o trabalho que a empresa fez junto com seus parceiros, porque nenhuma, absolutamente nenhuma medida teve objeção.”
Apoio das companhias americanas
Entre os pontos mais comentados na coletiva estava o apoio de American Airlines e United Airlines, que assinaram compromissos de injetar US$ 200 milhões na companhia. Mas, como destacou Fábio, ainda existem cláusulas condicionais até que o valor esteja disponível.
“São documentos extensos, jurídicos, com diversas cláusulas e condições. Porém, com o plano que montamos — e que acabou de ter um grande sucesso na audiência de primeiro dia — esse apoio vem. Isso é totalmente natural. Inclusive nas reestruturações que fizemos em 2023 e 2024, todos os apoios foram assim. Mas são empresas que acreditam no nosso negócio, vieram voluntariamente, amigavelmente.”
Apoio do trade
Nada muda para os agentes de viagens e operadoras, segundo a Azul. Pelo contrário, o momento está sendo aproveitado para reforçar laços comerciais e alinhar novos caminhos
“Já estamos falando ativamente com os nossos parceiros. Inclusive, queria agradecer ao trade, porque a gente teve uma demonstração de apoio muito forte. A gente continua o relacionamento, com uma vontade de conversar mais, de estar mais próximo, de estabelecer novas conversas para buscar os melhores caminhos.”
E os investidores?
A Azul já firmou acordos com grupos de bondholders e credores — mas isso não significa que o processo está fechado a novos participantes. O executivo deixou claro que há abertura para outros investidores, inclusive os que ainda não estavam dentro do acordo inicial (RSA).
“Estamos conversando com absolutamente todo mundo: nossos parceiros comerciais, investidores, bondholders, credores. Alguns que não estavam dentro do RSA estão nos buscando, querem fazer parte, acreditam no processo da companhia. A empresa não está limitada a falar só com os bondholders existentes. Até porque, no fim, vai ter uma oferta pública. Então a gente conversa com todo mundo que demonstra interesse no plano.”
Redução de dívida
Segundo Campos, um dos principais efeitos práticos do Chapter 11 será a redução significativa da dívida da empresa — o que se reflete diretamente nos indicadores financeiros de alavancagem.
“Agora a gente já tem um primeiro passo, com a eliminação de 2 bilhões de dólares de dívida no balanço.”
Ele explicou que a alavancagem planejada de 3 vezes EBITDA será alcançada até a saída do processo — prevista para o fim deste ano ou início de 2026 — e que esse índice continuará caindo.
“Essa alavancagem vai acontecendo durante o processo, conforme diversas coisas vão acontecendo.”
Contratações continuam
Apesar do processo jurídico, a Azul segue com contratações e expansão de rotas. “Semana que vem já estamos com vocês de novo anunciando novas rotas e também o novo grupo de tripulantes que está entrando na Azul na segunda-feira.”
O executivo reforçou que a segurança continua sendo o valor número um da companhia e se comprometeu com a transparência ao longo de todo o processo.
“A empresa segue operando com todos os patamares de segurança necessários. Como sempre fizemos, nada muda. Vamos ter bastante coisa para comunicar com vocês durante todo esse processo. Não deixem de entrar em contato, tirar dúvidas. Estamos aqui para isso: para esclarecer e colocar vocês sempre na mesma página.”