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“Brasil é cheio de potencial, mas não é inclusivo”, diz Ricardo Gomes, presidente da Câmara LGBT

Ricardo Gomes 01 "Brasil é cheio de potencial, mas não é inclusivo”, diz Ricardo Gomes, presidente da Câmara LGBT
Ricardo Gomes, presidente da Câmara de Comércio e Turismo LGBT (Divulgação/Ricardo Gomes)

O Brasil é aquele destino que todo mundo quer conhecer: tem praia, festa, floresta, diversidade e uma das maiores populações LGBTQIA+ do mundo. Mas na hora de falar em inclusão de verdade, o discurso ainda não acompanha a prática. Falta estrutura, falta campanha, falta política pública que dure mais que um governo.

Quem conhece bem esse bastidor é Ricardo Gomes, presidente da Câmara de Comércio e Turismo LGBT do Brasil. À frente da entidade há quase uma década, ele tem batido na tecla de que turismo LGBTQIA+ não é nicho: é oportunidade, impacto social, respeito e desenvolvimento. Nesta entrevista, Ricardo fala sobre o que trava o Brasil, o que já está acontecendo na prática e por que não dá mais pra aceitar pinkwashing disfarçado de arco-íris em junho. 

MERCADO & EVENTOS – O Brasil tem um enorme potencial turístico e uma das maiores populações LGBTQIA+ do mundo. O que ainda impede o país de se destacar globalmente como um destino realmente inclusivo?

Ricardo Gomes – O que atrapalha o Brasil de ser hoje um país mais inclusivo e atrativo para o turista LGBT é a falta de políticas públicas consistentes. É necessário um investimento do governo federal que se posicione de forma clara, com campanhas duradouras e permanentes, que sigam independentemente de quem esteja no poder. Isso precisa ser uma política de Estado, e não apenas de governo, como acontece na Espanha, na Argentina e em diversos outros países. Para isso, o poder público precisa se declarar favorável, estabelecer campanhas com objetivos claros. As pesquisas mostram que um destino só é bom para o turismo LGBT se também for bom para as pessoas LGBT que vivem e trabalham ali.

M&E – Quais são as principais ações da Câmara de Comércio e Turismo LGBT do Brasil para tornar o país mais acolhedor para turistas da comunidade?

Ricardo Gomes – A principal atuação da Câmara é treinar, capacitar e apresentar todas as tendências do mercado para que o setor turístico se interesse genuinamente pelo turismo LGBT. Quando há esse interesse, ele se soma ao trabalho que o poder público deve desenvolver na promoção desse segmento. A iniciativa privada também tem papel fundamental. A Câmara realiza, por exemplo, a Conferência Internacional da Diversidade, que em 2025 acontecerá de 9 a 12 de setembro, já em seu nono ano de existência. É um evento com um dia exclusivo para o turismo LGBT, focado em fomentar negócios e também em compartilhar conhecimento. Mesmo durante o governo anterior, que não apoiou e não desenvolveu nenhuma iniciativa voltada ao turismo LGBT, seguimos levando a bandeira do Brasil LGBT para conferências nos Estados Unidos, México, Argentina, Uruguai e por todo o país, participando de eventos como a WTM, a WGS e diversos outros, com estandes, palestras e materiais dedicados ao turismo LGBT.

M&E – As empresas do setor turístico estão mais abertas à diversidade ou ainda tratam o público LGBTQIA+ apenas como um nicho comercial?

Ricardo Gomes – As empresas estão, sim, mais abertas. No entanto, ainda existem aquelas que veem a comunidade apenas como um nicho comercial. Um exemplo é a Meta, que embora não pertença ao setor turístico, reflete um padrão que também vemos aqui: marcas que querem apenas o dinheiro da comunidade, mas não têm real compromisso. Por outro lado, muitas empresas, ao começarem a lidar com esse público e a se prepararem com treinamentos e capacitações, acabam desenvolvendo um carinho e um respeito verdadeiro. Compreendem que tratar todos de forma adequada e igual, respeitando as necessidades específicas de cada público, é o ideal, e que isso também pode se converter em bons negócios. A grande vitória é quando uma empresa faz um projeto voltado à comunidade LGBT de forma correta, organizada, com equipe treinada, e entende como atender melhor e com mais respeito. Algumas continuam focadas apenas no lucro, mas outras se tornam verdadeiras aliadas da causa.

M&E – Em termos de impacto social, como o turismo LGBTQIA+ pode ajudar a transformar pequenas comunidades ou destinos menos explorados no Brasil?

Ricardo Gomes – O turismo LGBT pode contribuir significativamente para o desenvolvimento de pequenas comunidades. Um exemplo disso é o projeto “Love Noronha”, em Fernando de Noronha, voltado à população gay. No início, muitos moradores se opuseram à ideia. Hoje, esse cenário mudou completamente: a população local apoia o projeto, inclusive com relatos de moradores dizendo que preferem trabalhar com turistas LGBT, que muitas vezes deixam as casas mais organizadas do que encontraram. Isso mostra que a presença da comunidade pode gerar impacto positivo, não só econômico, mas social, cultural e relacional. Para isso, é essencial que esses destinos menores estejam preparados e capacitados para receber esse público de forma correta e respeitosa. A própria comunidade pode ajudar a divulgar e impulsionar esses lugares. Mas o poder público local também precisa fazer sua parte.

M&E – Como a Câmara vem atuando junto a prefeituras e governos estaduais para implementar políticas públicas que valorizem a diversidade e promovam segurança aos visitantes LGBTQIA+?

Ricardo Gomes – A Câmara trabalha com diversos destinos, como Bahia, Estado e Cidade de São Paulo, entre outros. Desenvolvemos ferramentas como cartilhas, capacitações, mapas da diversidade e também atuamos diretamente com as equipes das secretarias de turismo. Buscamos atrair os gestores públicos para que participem da conferência e de eventos internacionais, incentivando o networking e o aprendizado com outras experiências. Em nível federal, temos um acordo de cooperação com a Embratur para o fomento do turismo LGBT e, embora ainda não haja um acordo formal com o Ministério do Turismo, realizamos eventos em parceria. Após muitos anos de esforço, a Câmara hoje tem uma vaga no Conselho Nacional do Turismo, onde atuamos na defesa do segmento LGBT.

M&E – Quais são os destinos brasileiros que vêm se destacando positivamente em ações voltadas ao turismo inclusivo?

Ricardo Gomes – Diversos destinos vêm se posicionando publicamente como inclusivos. Eles estão lançando campanhas específicas com personagens da comunidade LGBT e promovendo datas importantes como Carnaval, Réveillon e São João com figuras da diversidade. Isso é fundamental porque rompe a bolha de campanhas exclusivas da comunidade e amplia o alcance. Muitos festivais no Brasil têm uma média de 30% de público LGBT, e no Carnaval de cidades como o Rio de Janeiro, esse percentual também se mantém ou é até maior. Esses exemplos mostram que o posicionamento claro, aliado a campanhas bem elaboradas e inclusivas, pode inspirar outros destinos a adotarem práticas semelhantes.

M&E – Como equilibrar campanhas verdadeiramente comprometidas com a causa LGBTQIA+ e ações que não soem apenas como pinkwashing?
Ricardo Gomes – A resposta está no comprometimento contínuo. A campanha “Orgulho Fora do Mês”, por exemplo, nasce da ideia de que a valorização da comunidade LGBT precisa acontecer o ano inteiro, e não apenas em junho. É essencial que campanhas com representatividade aconteçam também em eventos tradicionais e que as ações ultrapassem o marketing superficial. O envolvimento genuíno passa por treinamentos, preparo das equipes e um entendimento real das necessidades da comunidade. O pinkwashing acontece quando as empresas ou destinos só lembram da causa em datas comemorativas, sem nenhuma ação concreta ou contínua. O equilíbrio está em fazer com verdade, compromisso e constância.

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