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ARTIGO – Três Chapters, três estratégias: o que a entrada da Azul revela sobre a aviação brasileira

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Redação M&E

Publicado - 02/06/2025 - 14:03

Na última quarta-feira, 28 de maio de 2025, a Azul confirmou o que há semanas era especulado nos bastidores da aviação brasileira: a entrada no Chapter 11, o processo de recuperação judicial sob jurisdição dos Estados Unidos. A decisão, embora preventiva, é simbólica. Marca a terceira vez, em menos de cinco anos, que uma das maiores companhias aéreas do Brasil recorre ao mesmo instrumento jurídico para reestruturar sua operação e enfrentar os desafios crônicos do setor. Mas engana-se quem pensa que se trata de mais do mesmo.

Latam, Gol e Azul agora compartilham um mesmo capítulo legal, mas seguiram estratégias muito distintas. E é justamente nessas diferenças que reside o verdadeiro valor dessa nova fase da aviação brasileira: um laboratório vivo de resiliência, transformação e visão de futuro.

Ao contrário da Latam, que entrou no Chapter 11 em maio de 2020 no olho do furacão pandêmico, ou da Gol, que recorreu ao processo em janeiro de 2024 após uma crise de liquidez e endividamento, a Azul optou por uma abordagem considerada ofensiva. Antecipou-se ao colapso, estruturou acordos com credores, garantiu robusto financiamento DIP de US$ 1,6 bilhão e ainda assegurou aportes bilionários com conversão em equity por parte de gigantes como United Airlines, American Airlines e AerCap. Trata-se de um movimento cirúrgico, de quem aprendeu com os erros, e acertos, dos concorrentes.

O histórico da Latam é o mais bem-sucedido até aqui. Saiu do Chapter 11 em 2022 com estrutura enxuta, frota otimizada e margens operacionais saudáveis. Reconquistou a liderança de mercado e provou que o processo pode ser uma alavanca de crescimento, não apenas uma tábua de salvação. Já a Gol vive um momento mais delicado. Embora tenha avançado em sua reestruturação e conte com apoio relevante, ainda enfrenta turbulências operacionais e forte pressão competitiva, especialmente no mercado doméstico.

A Azul, por sua vez, entra no processo com ativos valiosos: malha diferenciada, reputação de excelência no serviço e agora, o suporte de investidores estratégicos com apetite para longo prazo. Se conseguir executar seu plano com disciplina e foco, poderá sair não apenas fortalecida, mas reposicionada como uma companhia mais ágil, capitalizada e inovadora.

O fato de as três maiores aéreas do país recorrerem ao mesmo instrumento jurídico em tão curto intervalo de tempo não pode ser visto como coincidência. É sintoma de um setor fragilizado por variáveis que estão além da gestão das empresas: câmbio volátil, custos dolarizados, combustíveis caros, regulação excessiva e ausência de políticas de estímulo à aviação regional.

O Chapter 11, nesse contexto, é menos um recurso de exceção e mais uma ferramenta de sobrevivência em um ambiente sistêmico desfavorável. Se, por um lado, sua adoção mostra maturidade das empresas brasileiras em negociar com credores globais e acessar mercados financeiros sofisticados, por outro, escancara a necessidade urgente de uma reforma estrutural no modelo de financiamento, infraestrutura e competitividade da aviação nacional.

Se seguir os passos da Latam, a Azul poderá não apenas reorganizar suas finanças, mas também redefinir sua posição no mercado. A execução será o divisor de águas: preservar sua malha capilarizada, manter a excelência do serviço e, sobretudo, fidelizar o passageiro durante o processo serão chaves para o sucesso.

Para os consumidores, a perspectiva é de melhora nos serviços e disputas mais acirradas por tarifas. Para o setor, o alerta continua: é preciso mais que reestruturações para voar em céu claro.

Em comum, os três “Chapters” nos deixam uma lição inegociável: em um setor volátil como o aéreo, quem sobrevive à tormenta não pode voltar a voar como antes. É preciso aprender a voar diferente.

– Roy Taylor é presidente do M&E.