
A entrada da Azul no processo de reestruturação judicial sob o Chapter 11 dos Estados Unidos já chama atenção por um detalhe crucial: não se trata de um pedido emergencial motivado por colapso de caixa, mas de um plano pré-negociado, com acordos firmados com credores, arrendadores e parceiros estratégicos antes mesmo de recorrer ao tribunal. Esse tipo de operação, conhecida como pre-packaged Chapter 11, é sofisticado, relativamente raro na aviação, e praticamente inédito na América Latina.
Mas, afinal, quem mais no setor aéreo mundial já seguiu um roteiro parecido?
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Casos globais com estrutura semelhante
Embora muitos processos de Chapter 11 tenham sido reativos ou caóticos, algumas companhias aéreas globais já entraram com planos articulados, apoio de stakeholders e financiamento DIP previamente garantido, tal como a Azul:
Delta Air Lines (2005)
A Delta se preparou cuidadosamente antes de entrar no Chapter 11. Negociou com fornecedores, sindicatos e arrendadores e já tinha apoio de partes-chave. Obteve financiamento DIP robusto, usou o processo para renegociar contratos e modernizar sua frota. Entrou em 2005 e saiu em 2007, mais enxuta e competitiva.
Semelhança com a Azul: Entrada planejada, financiamento DIP garantido, suporte de stakeholders e continuidade das operações.
American Airlines (2011)
A American seguiu um plano bem articulado de reestruturação com foco claro: viabilizar uma fusão. Entrou com suporte relevante de credores e DIP em andamento. A operação incluiu acordos prévios com sindicatos e fornecedores. Ao sair do processo, fundiu-se com a US Airways, criando a maior aérea do mundo.
Semelhança com a Azul: Estruturação prévia, operação normal mantida, foco em transformação estratégica além da dívida.
Latam Airlines (2020)
Apesar de motivada por um choque externo (pandemia), a Latam surpreendeu ao apresentar logo no início do Chapter 11 um financiamento DIP de US$ 2,45 bilhões, viabilizado por acionistas relevantes como Delta Air Lines, Qatar Airways e o grupo Cueto. Ainda assim, não foi “pre-packaged” no sentido técnico, faltaram acordos amplos com bondholders e arrendadores no início.
Comparação com Azul: Latam teve DIP assegurado e suporte de investidores, mas não entrou com tudo já amarrado, como a Azul.
Avianca Holdings (2020, Colômbia)
A Avianca também usou o Chapter 11 com algum nível de suporte inicial, mas entrou pressionada por liquidez e sem acordos amplamente costurados com credores e lessors. Conseguiu DIP dentro do processo, mas não com antecedência.
Comparação com Azul: Caso mais tradicional e emergencial, sem o nível de planejamento e garantias iniciais da Azul.
O que torna o caso da Azul singular?
O que diferencia a Azul é o conjunto simultâneo de fatores:
Acordos firmados com os principais bondholders, arrendadores e parceiros estratégicos antes da entrada no tribunal
Financiamento DIP de US$ 1,6 bilhão já fechado
Financiamento de saída de até US$ 950 milhões já delineado, incluindo conversão em equity
Apoio explícito de duas grandes aéreas americanas (United e American)
Processo proativo, sem quebra operacional ou colapso de caixa imediato
O resultado é que a Azul entra no Chapter 11 com rota e combustível já definidos, o que tende a tornar o processo mais rápido, previsível e eficaz, segundo especialistas.
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Enquanto outras aéreas já usaram o Chapter 11 para se recuperar, aparentemente poucas entraram com um plano tão bem estruturado quanto o da Azul. A operação, apesar de inspirada em práticas internacionais, é pioneira na aviação brasileira e pode redefinir os parâmetros de reestruturação no setor na América Latina.