
Desde maio de 2024, as companhias aéreas Azul e Gol vêm operando como se fossem uma única empresa, eliminando rotas concorrentes e coordenando suas malhas de voo, de acordo com Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt, ex-conselheira do Cade e doutora em economia pela EPGE/FGV. A prática, que deveria ser analisada com rigor pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), não foi considerada uma infração à ordem concorrencial pelo órgão, segundo apuração oficial encerrada em abril deste ano.
O acordo de codeshare (compartilhamento de voos), firmado pelas duas empresas em 23 de maio de 2024, foi avaliado à luz da Resolução nº 17/2016, que regulamenta os atos de concentração econômica. Para o Cade, não houve impacto concorrencial imediato e, portanto, não se configurou a prática de gun jumping (quando empresas antecipam os efeitos de uma fusão sem autorização prévia).
No entanto, segundo Cristiane, a realidade aponta em outra direção. Em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, a especialista afirma que há fortes indícios de que Azul e Gol já estão atuando como uma joint venture informal, afetando diretamente a concorrência no setor aéreo brasileiro.
“Desde maio, as duas empresas vêm coordenando suas malhas, eliminando sobreposições e reduzindo a concorrência efetiva ou potencial”, destaca Cristiane. Dados da plataforma Diio/Cirium mostram que, em 40 rotas analisadas, a oferta conjunta de voos caiu de 14.564 para 12.986, uma retração de 11%.
A movimentação é perceptível nas decisões estratégicas: a Azul deixou de operar trechos como Congonhas–Caldas Novas, Campina Grande–Salvador, Galeão–Guarulhos e Galeão–Maceió, agora todos exclusivamente atendidos pela Gol.
Para especialistas do setor, trata-se de um caso clássico de gun jumping. “Os efeitos dessa coordenação já são sentidos pelos consumidores, com menos opções de voos e, possivelmente, preços mais altos”, observa Cristiane. “É uma fusão informal, com implicações sérias para o bem-estar do brasileiro”, reforçou.
A economista alerta ainda para um possível movimento futuro das empresas. “Quando notificarem a fusão oficialmente, provavelmente argumentarão que não houve concentração relevante, facilitando a aprovação. Mas o dano ao consumidor já está em curso desde maio de 2024”, afirma.
Como solução, Cristiane defende que o Cade reveja sua posição. “O órgão pode reconhecer que houve gun jumping e, mais adiante, reprovar a fusão formal. Isso seria uma forma de proteger o mercado e o consumidor brasileiro de uma consolidação indevida”, concluiu.