Termina no próximo dia 14 de agosto o prazo para enviar à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) sugestões e contribuições à consulta pública para a proposta de resolução que define o tratamento a ser dispensado a passageiros que atrapalham e colocam em risco a segurança na aviação civil brasileira.
O objetivo principal das novas diretrizes é combater comportamentos abusivos que têm sido uma preocupação crescente para as empresas aéreas e para a segurança dos voos. Entre as medidas propostas, destaca-se a autorização para que as companhias aéreas mantenham listas de passageiros e impeçam, por até um ano, o embarque daqueles envolvidos em incidentes desse tipo.
A tendência crescente de abuso físico é particularmente preocupante, e os governos devem fazer cumprir a lei e penalizar os infratores. Passageiros e tripulação têm direito a uma experiência segura e sem problemas a bordo – Alejandro Restrepo Marino, da IATA
NÚMEROS
Globalmente, há um incidente com passageiros que causam transtornos a cada 480 voos. Nos EUA, de acordo com a Administração Federal de Aviação (FAA), a média era de dois casos por semana até 2023. Na Europa, dados da Agência Europeia para a Segurança da Aviação (EASA), informam que a cada três horas a segurança em um voo dentro da União Europeia é ameaçada pelo comportamento indisciplinado dos passageiros.
Segundo a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR), no primeiro semestre deste ano foram registrados 351 casos de passageiros indisciplinados nas companhias associadas, de 2019 até junho de 2024, foram 3.130. Os dados de 2023 apontam uma média de dois incidentes por dia, totalizando 735 registros ao fim do ano. Destes, 21% envolveram agressões físicas e/ou ameaças.
ENTIDADES
O M&E decidiu ouvir entidades representantes do setor aéreo sobre o tema. A ABEAR afirmou que tem mantido diálogo permanente com a ANAC, informando dados e fatos sobre as ocorrências envolvendo passageiros indisciplinados, e defende a regulamentação de medidas que possam coibir esse tipo de comportamento. “Entre algumas das alternativas em estudo, e que já são utilizadas nos Estados Unidos e em países da Europa, está a criação de uma ‘no fly list’ para passageiros que cometam atos graves a bordo, atentando contra a segurança dos tripulantes e demais passageiros”, afirma Jurema Monteiro, presidente da ABEAR.
Entre algumas das alternativas em estudo, e que já são utilizadas nos Estados Unidos e em países da Europa, está a criação de uma ‘no fly list’ para passageiros que cometam atos graves a bordo – Jurema Monteiro – da ABEAR
O gerente de Assuntos Externos e Sustentabilidade para Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) na América Latina & Caribe, Alejandro Restrepo Marino, reforça que não há desculpa para comportamento indisciplinado. “Não se trata apenas de respeito pelos outros passageiros e pela tripulação, mas de segurança – sempre prioridade da indústria e da IATA. A tendência crescente de abuso físico é particularmente preocupante, e os governos devem fazer cumprir a lei e penalizar os infratores. Passageiros e tripulação têm direito a uma experiência segura e sem problemas a bordo”, salienta.
De acordo com ele, a estratégia para reduzir os incidentes com passageiros indisciplinados gira em torno de regulamentações e orientações, cada uma delas com vários elementos. “É importante que os governos e as companhias aéreas tenham as ferramentas e a autoridade legal necessárias para reduzir o número de incidentes com passageiros indisciplinados nos aeroportos e a bordo das aeronaves”, defende Alejandro.
Na visão do diretor, prevenir ou mitigar incidentes também é fundamental. “Aeroportos e autoridades civis levam a sério o problema de passageiros indisciplinados, e há exemplos de colaboração e campanhas de conscientização em todo o mundo. Compartilhar as melhores práticas para mitigar incidentes por meio de manuais e treinamentos é igualmente vital”.
Em 2023, a IATA emitiu um novo documento de orientação atualizado contendo orientações para as tripulações das companhias aéreas, bem como algumas soluções práticas para os governos em relação à conscientização do público, multas administrativas e redução de lacunas jurisdicionais.
Esses comportamentos não só representam um risco significativo para a segurança do voo, mas também causam transtornos e atrasos, afetando negativamente a experiência de viagem para todos -José Ricardo Botelho – da ALTA
A Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo (ALTA) defende a criação de protocolos claros, harmonizados e que sejam amplamente divulgados para lidar com passageiros indisciplinados. “A maioria dos incidentes está relacionada à não conformidade com as normas de segurança e comportamento a bordo, como fumar nos banheiros, não usar o cinto de segurança e desrespeitar as normas de bagagem de mão. Esses comportamentos não só representam um risco significativo para a segurança do voo, mas também causam transtornos e atrasos, afetando negativamente a experiência de viagem para todos”, ressalta José Ricardo Botelho, CEO e diretor-executivo da ALTA.
A relevância do tema levou a ALTA a incluir o debate sobre passageiros indisciplinados em um painel durante a Conferência ALTA Aviation Law Americas 2024, que será realizada de 18 a 20 de setembro, em Buenos Aires.
PROPOSTA
A medida proposta pela ANAC visa regulamentar a má conduta de passageiros em operações de transporte aéreo regular doméstico praticados a bordo das aeronaves ou nas dependências dos aeroportos. O texto considera indisciplina atos que violem, desrespeitem ou comprometam a segurança, a ordem ou a dignidade de pessoas (passageiros e funcionários de aeroportos e companhias aéreas).
Há gradações para as punições, de acordo com o comportamento do passageiro, que vão desde a retirada do passageiro do voo até a proibição de voar por 12 meses. Entre as ações consideradas graves estão: agressão verbal e fumar dentro da aeronave. E no rol das gravíssimas estão a violência física contra membro da tripulação e acessar ou tentar acessar a cabine de comando sem autorização.
Caberá às empresas aéreas aplicarem as sanções e informar à Anac os registros de indisciplina ocorridos. No caso de atos gravíssimos, o aviso deve ser imediato. Nos casos graves, em até 5 dias e, nos demais casos, a comunicação deve ser feita em até 30 dias da ocorrência.
Empresas aéreas que descumprirem a resolução, não aplicando punição aos passageiros indisciplinados, também serão punidas com multas que variam de R$ 10 mil a R$ 100 mil.
CONSULTA PÚBLICA
Para conhecer a proposta, que foi aprovada no dia 25 de junho na reunião da Diretoria Colegiada, basta acessar a página de consultas públicas da Agência. Na consulta pública nº 9 estão o texto da resolução, a justificativa e o formulário para o envio das sugestões. As contribuições também poderão ser enviadas pela Plataforma + Brasil.