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Inclusão no turismo: como as empresas do trade estão mudando o jogo no segmento LGBT+

TURIMO LGBTQIA+
Empresas veem público LGBTQIA+ como estratégico no turismo e rejeitam atendimento genérico (Banco de imagens/Freepik)

A discussão sobre inclusão no turismo tem ganhado espaço em feiras, campanhas e discursos institucionais. Mas, longe do palco e dos slogans prontos, o que de fato está sendo feito dentro das empresas do trade para garantir que o público LGBTQIA+ viaje com segurança, respeito e autenticidade?

A resposta vai além das estatísticas. De acordo com a ABTLGBT, o turismo LGBTQIA+ cresceu a uma média de 11% ao ano, quase três vezes mais rápido que o turismo tradicional. Mas o que conta, de fato, são as ações — ou a falta delas — que moldam a experiência de quem viaja.

Neste contexto, ouvir quem toma decisões estratégicas nas operadoras não é mais opcional: é urgente. Trata-se menos de discurso e mais de estrutura, que começa na curadoria e termina no atendimento da linha de frente. O MERCADO & EVENTOS conversou com a Orinter, tg.mob, Kaluah e TGK, que afirmam ter a diversidade como parte ativa de sua atuação e não como um adorno publicitário. Elas compartilham perspectivas e desafios diante de um mercado que exige muito mais do que a simples etiqueta “LGBT friendly”.

Há um consenso importante entre as empresas ouvidas: o público LGBTQIA+ tem papel estratégico no turismo e deve ser atendido com segurança, acolhimento, personalização, parcerias coerentes e equipes bem preparadas. O atendimento genérico, segundo elas, não cabe mais.

As abordagens, no entanto, variam em tom, foco e método. Algumas constroem sua atuação a partir de experiências pessoais que espelham o tema da diversidade de forma íntima e direta. Outras estruturam frentes dedicadas, investem em treinamentos formais e desenvolvem programas contínuos.

Há quem aposte na empatia como guia da operação e quem recorra a dados de mercado para mapear riscos e oportunidades. As estratégias são diferentes e é justamente nesse contraste que se revela a complexidade de tratar a inclusão com seriedade.

Entre os destaques, estão a criação do Orinter Pride como estrutura estratégica permanente, a ênfase na capacitação dos agentes de viagens, vistos como elo essencial com o cliente final, e o uso de dados relevantes, como os citados pela tg.mob, para embasar decisões e reconhecer gargalos ainda presentes no setor.

Neste levantamento, apresentamos o panorama da atuação dessas operadoras diante do desafio de oferecer experiências verdadeiramente inclusivas, com foco em estratégias, compromissos e desafios que marcam o mercado atual.

Kaluah

TURISMO LGBTQIA+
Fabiana Tourinho, CEO da Kaluah (Divulgação/Kaluah)

A Kaluah mantém um compromisso constante com a inclusão, focando em uma curadoria sensível e personalizada que valoriza cada detalhe da experiência turística. Para a empresa, incluir o público LGBTQIA+ não é uma vantagem competitiva ou ação de marketing, mas uma obrigação ética e social que guia toda a jornada do viajante.

“O turismo é uma experiência de liberdade, conexão e pertencimento — e isso só acontece quando todos se sentem realmente bem-vindos”, afirma Fabiana Tourinho, CEO da Kaluah, ressaltando que o cuidado com os detalhes e a escuta ativa são diferenciais essenciais para garantir esse acolhimento genuíno. A escolha de destinos, hotéis e receptivos é feita com base em critérios que valorizam a hospitalidade inclusiva e o alinhamento de valores, buscando sempre parceiros que compreendam e compartilhem esse compromisso.

Além disso, a Kaluah investe em comunicação representativa e em treinamentos para que o atendimento seja empático e livre de estereótipos, aproximando o serviço do que o público espera e merece. A inclusão está presente no dia a dia da empresa, que constrói experiências de viagem pautadas no respeito, na diversidade e na autenticidade.

Orinter

TURISMO LGBTQIA+
Jorge Souza, da Orinter (Ana Azevedo/M&E)

Entre as operadoras ouvidas nesta reportagem, a Orinter é uma das que estruturou sua atuação no turismo LGBTQIA+ com planejamento contínuo e formalização institucional. A criação do Orinter Pride, em 2023, marcou o início de uma frente estratégica permanente, voltada à curadoria de experiências e à capacitação de agentes de viagens — com foco em inclusão, representatividade e profissionalismo.

A atuação 100% B2B da Orinter também molda sua abordagem. Em vez de dialogar diretamente com o viajante, a empresa aposta no agente de viagens como parceiro ativo do processo de inclusão. “Acreditamos que educar o agente sobre a melhor forma de atender o viajante LGBTQIA+ é o caminho a ser seguido”, afirma Jorge Souza, diretor de Marketing da Orinter e líder do projeto. Na prática, isso se traduz em treinamentos, workshops e ações de visibilidade que envolvem desde capacitações internas até eventos em feiras e períodos estratégicos, como o Mês do Orgulho.

A escolha dos produtos passa por uma curadoria com critérios claros: fornecedores com boas práticas documentadas, receptivos treinados e meios de hospedagem com histórico ou certificação inclusiva. Há também uma atenção à experiência como um todo, da inspiração à volta para casa que, segundo Jorge, só é possível com escuta ativa, comunicação responsável e consistência de mercado. “Não fazemos isso para cumprir tabela de ESG. A inclusão faz parte da essência da empresa”, reforça.

A leitura que a Orinter faz do mercado é pragmática, mas crítica. Jorge reconhece que houve avanços importantes nos últimos anos, mas destaca que a profissionalização ainda é desigual, e que a segurança e a representatividade real seguem como gargalos. A resposta, segundo ele, depende da articulação entre empresas comprometidas e destinos que se disponham a criar um ambiente livre de preconceito. “Nos posicionamos como ponte entre esse viajante e os melhores players do mercado”, diz.

TG.Mob

TURISMO LGBTQIA+
Leandro Pimenta, CEO da tg.mob (Divulgação/Tg.mob)

Se há algo que diferencia a tg.mob no debate sobre inclusão no turismo, é a convergência entre o discurso institucional e a experiência pessoal de quem lidera a operação. Leandro Pimenta, CEO da empresa, não fala apenas como gestor: fala como homem gay, viajante frequente e alguém que conhece, na prática, os riscos de uma experiência que não considera segurança e pertencimento como parte da entrega.

Essa perspectiva se traduz em decisões operacionais claras, como o treinamento antidiscriminatório aplicado aos motoristas e coordenadores, justamente onde o contato direto com o passageiro acontece e onde os riscos de violência simbólica (ou direta) são mais altos. “Não basta ter frota moderna e operação monitorada se o atendimento não for humano e sem julgamentos”, resume Pimenta, ao explicar o cuidado com quem está na ponta do serviço.

A tg.mob é associada à Câmara de Comércio e Turismo LGBT do Brasil e declara só firmar parcerias com fornecedores que compartilham valores de diversidade e respeito. Mas vai além do protocolo: assume publicamente que nem todos os destinos e empresas do setor estão preparados para atender viajantes LGBTQIA+, e encara esse cenário como responsabilidade coletiva e sua também. “Quando viajo, observo se serei bem-vindo no transporte, no hotel e no destino. A tg.mob quer contribuir para mudar esse cenário”, afirma.

Para isso, aposta naquilo que define como “entrega emocional”: oferecer mais do que transporte, oferecendo confiança e segurança como parte essencial da jornada. E fundamenta suas escolhas com dados. Pimenta cita, por exemplo, que o turismo LGBTQIA+ cresce cerca de 11% ao ano, quase três vezes mais rápido que o tradicional, segundo a ABTLGBT. E lembra ainda que, de acordo com a Booking.com, 58% dos turistas LGBTQIA+ brasileiros já sofreram algum tipo de discriminação durante uma viagem.

“Não estamos falando de nicho, estamos falando de urgência”, reforça. 

Travel Global

LGBTQIA+ TURISMO
Leila Minatogawa, diretora de Parcerias Estratégicas do Grupo TGK (Divulgação/TGK)

A Travel Global enxerga a viagem como um gesto de liberdade e ressalta que “todo viajante merece ser acolhido com respeito, cuidado e autenticidade”, nas palavras de Leila Minatogawa, diretora de Parcerias Estratégicas do Grupo TGK. O público LGBTQIA+ ocupa lugar essencial na dinâmica do turismo contemporâneo, não só pelo impacto econômico, mas também pela influência cultural e pela sensibilidade ao buscar experiências com significado.

A empresa destaca que vai além do atendimento tradicional e busca compreender as necessidades específicas desse público. Para isso, a curadoria inclui destinos e parceiros com reputação consolidada em hospitalidade inclusiva e segurança, como as redes Axel Hotels e cidades internacionais reconhecidas pela receptividade, entre elas Barcelona, Buenos Aires e Nova York. “Nossa comunicação é leve, respeitosa e atualizada, porque a forma como nos expressamos também constrói pertencimento”, afirma Leila.

O diferencial da Travel Global está no cuidado com os detalhes que importam para a experiência: liberdade para ser, conforto nas escolhas e autenticidade no percurso. “Cuidamos da experiência como um todo — com inteligência, empatia e estilo”, destaca a diretora, ressaltando que a empresa entrega apoio consultivo e uma estrutura flexível, alinhada às demandas do presente.

Apesar dos avanços percebidos no segmento, a Travel Global reconhece desafios que permanecem, como a necessidade de “escutar mais, qualificar profissionais e investir em experiências verdadeiramente autênticas — que respeitem as diferentes vivências, sem fórmulas prontas”.

A empresa reforça seu compromisso em contribuir para um turismo mais plural e contemporâneo, com atuação “coerente, linguagem afinada ao presente e um portfólio que celebra o que há de mais plural, contemporâneo e inspirador no ato de viajar”.

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