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Marco Ferraz, da Clia, analisa o futuro dos cruzeiros no Brasil e os desafios do setor

Marco Ferraz, da Clia Brasil
Marco Ferraz, presidente da Clia Brasil, faz um balanço da temporada, aponta entraves históricos e projeta futuro do setor no país (Eric Ribeiro/M&E)

A temporada de cruzeiros marítimos 2024/2025 reforçou o Brasil como um destino relevante no mapa global do turismo náutico. Com nove navios em operação, mais de 200 roteiros e um volume estimado de 862 mil leitos ofertados, o setor movimentou dezenas de destinos e portos ao longo de mais de 170 dias. Para Marco Ferraz, presidente da Clia Brasil, os números ainda não são definitivos, mas já indicam uma continuidade do crescimento observado nos últimos anos. “A expectativa é que os números repitam ou até superem os da temporada anterior, que gerou cerca de R$ 5,2 bilhões em impacto econômico”, afirma. 

Brasil no top 10 mundial de cruzeiristas

Segundo dados da Clia Global, o Brasil foi o país que mais cresceu proporcionalmente em número de cruzeiristas desde 2019. “Registramos um aumento de 30%, enquanto o crescimento global foi de 7%”, revelou Marco. Com isso, o país passou a integrar o seleto grupo dos 10 maiores emissores de passageiros em cruzeiros no mundo.

Esse crescimento, no entanto, não elimina os obstáculos enfrentados. Ferraz lembra que a indústria opera sob uma série de entraves históricos: “Os altos custos operacionais, a complexidade tributária e as limitações de infraestrutura ainda são os maiores desafios para atrair novos investimentos”. 

Emprego, renda e impacto regional

O impacto da atividade é significativo, inclusive para a geração de empregos e renda. O levantamento mais recente da Fundação Getúlio Vargas, feito em parceria com a Clia Brasil, mostra que cada cruzeirista movimenta em média R$ 877,01 nas cidades de embarque/desembarque e R$ 668,91 nas cidades de escala. Na temporada passada, o setor gerou mais de 80 mil empregos diretos, indiretos e induzidos no país.

Infraestrutura: portos em movimento

Alguns destinos têm apresentado avanços importantes. “Itajaí anunciou R$ 400 milhões em investimentos até 2027; Santos prevê um novo terminal com capacidade para três navios simultâneos; Balneário Camboriú conseguiu o alfandegamento”, lista Ferraz. Paranaguá, Ilhéus, Maceió, Vitória e Penha também estão na lista de portos com projetos em andamento.

Apesar dos progressos pontuais, ainda há um longo caminho a percorrer. “Atualmente, apenas 0,3% da população brasileira faz viagens de cruzeiro, contra 3% nos EUA e 6% na Austrália. Isso mostra o quanto podemos crescer”, completa Marco. 

Diálogo com o governo e trabalho regional

A Clia Brasil tem mantido atuação constante em Brasília, com interlocução direta com ministérios, Antaq e outras entidades. “Nosso foco não é apenas o Brasil, mas o fortalecimento da América do Sul como um destino integrado. Trabalhamos pela complementaridade entre os países sul-americanos”, explicou. 

O esforço tem gerado frutos. O Ministério do Turismo autorizou a criação de grupos de trabalho voltados a temas estratégicos, com representantes de destinos, secretarias e autoridades portuárias. “É uma iniciativa inédita e importante para que possamos construir, em conjunto, um ambiente mais atrativo e previsível”, complementa.

Nova temporada será desafiadora

A temporada 2025/2026 começa com um sinal de alerta: dois navios a menos em operação. Para o presidente da Clia Brasil, o recuo reforça a necessidade de acelerar avanços estruturais. “Mesmo com essa redução, nosso foco é garantir uma temporada de alto nível, com boa ocupação e satisfação dos passageiros”. 

As reuniões pós-temporada com os destinos que receberam navios já foram concluídas ou estão em fase final. Em breve, serão retomadas as reuniões de pré-temporada, em que armadoras, autoridades locais e o trade alinham estratégias de recepção, mobilidade e segurança.

Novas rotas em estudo, mas expansão depende de estrutura

A Clia Brasil tem mantido diálogo constante com os destinos para identificar oportunidades de novas rotas. “O desenvolvimento de novos itinerários passa por um esforço coletivo, de governos, portos, operadores e armadoras. Realizamos reuniões técnicas em todas as cidades que receberam navios para entender gargalos e propor soluções”, adianta. 

Demanda em alta, público diversificado

Os dados globais mostram que a demanda por cruzeiros segue em expansão. Em 2025, a projeção é de 37,7 milhões de cruzeiristas no mundo. “Cerca de 92% dos brasileiros dizem que fariam outro cruzeiro, e 87% querem voltar aos destinos que visitaram. Isso mostra a força da experiência”, ressalta Marco.

Além disso, há uma diversificação clara de perfis. Segundo ele, “há um crescimento expressivo entre Millennials e Geração X, além do aumento nas viagens multigeracionais. Os cruzeiros hoje atendem a famílias, casais, jovens, viajantes solo e públicos de luxo”. 

A resposta da indústria está na oferta: navios temáticos, de expedição e fluviais vêm ganhando espaço. O número de leitos em cruzeiros de luxo cresceu 300% entre 2010 e 2024, de acordo com dados fornecidos pela Clia.

Sustentabilidade e inovação: dois pilares estratégicos

A sustentabilidade é uma prioridade global para o setor. “A meta é zerar as emissões líquidas de carbono até 2050”, afirma Marco. Hoje, mais de 60% da frota já está equipada com conexão à energia terrestre, e metade dos novos navios será adaptável a combustíveis como metanol e GNL.

A inovação tecnológica também impulsiona a experiência. “Novos navios trazem avanços em gastronomia, entretenimento, acessibilidade e sustentabilidade. A ideia é unir conforto, eficiência e múltiplos destinos em uma mesma viagem”. 

Armadoras observam o Brasil com interesse – mas com cautela

Há interesse por parte de companhias internacionais em estabelecer operações mais robustas no Brasil, mas o movimento ainda depende de uma melhora do ambiente regulatório, segundo o presidente da Clia Brasil. “O Brasil é naturalmente atrativo, com uma costa extensa e destinos únicos. Mas é preciso garantir previsibilidade e competitividade para que isso se concretize”, explica.

A força dos agentes de viagem e o papel do trade

Por fim, Ferraz destaca a importância dos agentes de viagem para o setor. “Eles têm se qualificado, feito treinamentos e visitado navios. Mas, das mais de 37 mil agências cadastradas no Ministério do Turismo, menos de 10 mil vendem pelo menos uma cabine por ano. Ainda temos um grande potencial a explorar”.

De acordo com o executivo, mesmo assim, a Clia Brasil seguirá atuando para integrar armadoras, portos e destinos, além de manter o diálogo com o governo e fortalecer o turismo marítimo como um vetor estratégico para o país.

“O Brasil tem todas as condições de ocupar um papel ainda mais relevante no cenário global de cruzeiros. Mas isso só será possível com planejamento, coordenação e o engajamento de toda a cadeia produtiva”, conclui Ferraz.

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