
Portugal acaba de aprovar uma nova lei de imigração que altera pontos centrais da política migratória do país. Como advogada especializada no tema, tenho acompanhado os efeitos dessas mudanças sobre estrangeiros que já vivem em território português ou planejam residir legalmente.
Entre as alterações mais relevantes está a exigência de visto prévio. A prática comum de entrar como turista e depois regularizar a situação com base em vínculos profissionais ou familiares foi extinta. A entrada em território português passa agora a depender de visto obtido ainda no país de origem. As alternativas incluem vistos de trabalho, estudo, D7 (voltado a pessoas com rendimentos próprios), reagrupamento familiar e nacionalidade portuguesa para quem tem direito.
Outro ponto importante é o encerramento do canal da CPLP, que permitia uma tramitação facilitada para cidadãos de países de língua portuguesa. Em minha análise, essa medida contraria os compromissos firmados por Portugal no âmbito da comunidade lusófona e pode ser contestada com base em tratados internacionais e no princípio da confiança legítima.
O visto destinado à procura de emprego passou a requerer comprovação de “elevada qualificação”. Até agora, não há critérios objetivos definidos para esse requisito. Na prática, profissionais com diploma superior nas áreas de tecnologia, engenharia, saúde, educação ou pesquisa tendem a se enquadrar com mais facilidade, enquanto candidatos com menor escolaridade encontram maiores barreiras.
As regras para reagrupamento familiar também foram modificadas. A análise documental se tornou mais rigorosa, com exigências reforçadas quanto à comprovação de vínculos afetivos e à capacidade financeira de quem já reside legalmente no país. Isso pode atrasar a reunião de cônjuges, filhos e pais e comprometer o direito à convivência familiar.
Com a substituição do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) pela Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), esperava-se maior eficiência na gestão de processos. No entanto, desde sua criação, a AIMA tem enfrentado gargalos operacionais, lentidão na tramitação e falhas constantes no sistema de atendimento digital. Tenho recebido relatos frequentes de estrangeiros com solicitações paradas há muitos meses, sem qualquer resposta, o que aumenta a insegurança jurídica.
Diante de atrasos prolongados, o primeiro passo é registrar uma reclamação formal junto à AIMA. Caso não haja retorno, é possível recorrer ao Provedor de Justiça. Em situações mais urgentes, recomenda-se acionar o Judiciário por meio de ação que obrigue a administração a tomar uma decisão. É fundamental manter organizados todos os comprovantes de residência, protocolos e comunicações anteriores.
Se o pedido de residência for indeferido, o imigrante tem direito ao contraditório e à ampla defesa. Há possibilidade de apresentar recurso administrativo ou acionar a Justiça. Em caso de notificação de saída voluntária, o prazo costuma ser de 20 dias. Já a expulsão, aplicável em contextos mais graves, também pode ser contestada por vias legais.
A taxa de rejeição das autorizações de residência chegou a 18,5%, número que considero elevado. Esse índice aponta falhas na triagem inicial, comunicação deficiente e ausência de critérios transparentes para a avaliação das solicitações.
Há mecanismos legais disponíveis para contestar decisões desfavoráveis. É possível recorrer à própria AIMA, ao Tribunal Administrativo ou, quando houver indícios de violação de direitos fundamentais, ao Ministério Público. O acompanhamento jurídico especializado é essencial para assegura o respeito às garantias legais e para traçar estratégias eficazes.
Para quem está em situação de vulnerabilidade, existem instituições que oferecem orientação gratuita ou a custos acessíveis. A Casa do Brasil de Lisboa é um exemplo, prestando apoio jurídico, psicológico e social. Também há atendimento nos Centros Locais de Apoio à Integração de Migrantes (CLAIM), com presença em diversas localidades.
A participação ativa da comunidade imigrante é fundamental. Grupos organizados, associações, redes sociais e consultas públicas são espaços legítimos para acompanhar mudanças, propor melhorias e pressionar por políticas mais equilibradas. A atuação articulada com consulados e com a imprensa também contribui para ampliar a visibilidade dos problemas enfrentados.
A nova legislação aguarda agora a decisão do presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que pode sancionar o texto integralmente, vetar trechos ou submetê-lo ao Tribunal Constitucional para revisão. Embora um veto total seja improvável, pontos que afetem princípios como o direito à família e a proporcionalidade podem ser revistos.
A divulgação clara dessas mudanças é essencial. Termos jurídicos e procedimentos burocráticos dificultam o entendimento por parte da população imigrante. Cabe aos profissionais do direito traduzir esse conteúdo para uma linguagem acessível. A produção de materiais informativos, lives com especialistas e atendimento comunitário são meios eficazes de ampliar o acesso à informação confiável.
Além do trabalho nos tribunais, acredito que o papel educativo do advogado é central neste cenário. Orientar, esclarecer e atuar em parceria com entidades sociais são formas de garantir que os direitos dos imigrantes sejam efetivamente respeitados, especialmente em um momento de tantas transformações institucionais.
– Por Luciane Tomé, advogada especialista em direito de nacionalidade portuguesa