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Opinião

OPINIÃO – Saudade, Michelão

Por Roberto Luciano Fortes Fagundes*

Fundado em 1980, reunindo empresários das áreas de hotelaria, transportes aéreos e terrestres, agentes de viagem, imprensa e autoridades, sempre foi um sucesso em seus encontros. Este clube sui-generis não tem estatutos, não cobra mensalidades e não tem fronteiras, mas tem sede própria no coração de mais de 50mil associados que participam dos eventos. praticando eloquentes mensagens de fraternidade, companheirismo e amizade. Todos os convidados ao chegar recebem um avental para demonstrar que são todos iguais: títulos, posição social, acadêmicos, nada diferencia as pessoas. Sempre foi uma grande confraternização de antigos conhecidos e de recém apresentados. O cardápio completo dos encontros é sempre arroz, feijão, bife, batata frita, ovos, saladas, cerveja e refrigerantes.

Esta idéia que se tornou realidade foi fruto de um sonho idealizado por Michel Tuma Ness e Adel Auada, constituindo um clube onde cada sócio é um amigo e se irmanam diante de um “prato de feijão”, símbolo da simplicidade no complexo culinário brasileiro, dividindo o feijão e a amizade.

Há pouco tempo, o nosso querido amigo Michelão passou para o plano superior, nos deixando com lembranças das oportunidades de convívio que tivemos. Nos seus dois metros de altura, era uma pessoa diferenciada. Amigo, irmão, parceiro, companheiro, conselheiro, alma e coração abertos, uma criança feliz quando estava com seus amigos fraternos, o que era uma constância. Tive a felicidade de desfrutar de sua amizade, principalmente das inúmeras viagens que fizemos por este mundo. Lembro de algumas situações inesquecíveis.

Michel Tuma Ness

Michel Tuma Ness

Em Toronto, Canadá, éramos convidados para conhecer as principais atrações daquele belo país, quando fomos almoçar em um grande restaurante, lotado. Quando nos entregaram o cardápio, resolvemos deixá-lo numa “saia justa” e combinamos não traduzir as opções para ele poder escolher, pois ele não falava inglês. Quando percebeu, não se fêz de rogado, levantou-se da mesa, pegou a mão do jovem garçom que nos atendia e foi de mesa em mesa olhando os pratos servidos e só falava “this”, apontando o que queria, sem se importar com a surpresa dos clientes e do atendente. Acabou comendo melhor do que nós.

De outra feita, estávamos embarcando no Aeroporto de Miami e êle me perguntou como se falava miolo em inglês. Expliquei que era “brains”, o que ele repetiu e saiu. Fiquei curioso e fui atrás, quando me deparei com ele em frente a uma carrocinha de hot dog, com o atendente segurando o pão do cachorro quente, sem entender nada e o Michelão falando “sem brains”, inclusive fazendo o gesto de retirada do miolo, tentando tirar o pão da mão do rapaz. Uma cena digna de uma gravação.

Em Paris, fizemos um jantar para 300 lideranças do turismo francês, no salão principal do excelente Hotel Le Meridien Montparnasse, incluindo a apresentação de uma escola de samba com as mulatas, caipirinha à vontade, avental à entrada e o tradicional arroz e feijão, é claro. Os franceses não conseguiam entender como participavam de uma festa como aquela e toda oportunidade perguntavam se não tinham que pagar nada ou contribuir com algum valor.

Fomos convidados para fazer um evento do Feijão em New York. Embarcamos, um grupo de 12 feijoeiros, em Guarulhos, em um vôo da VARIG, saindo à 1 hora de madrugada. Como o jantar seria no mesmo dia da chegada, em um belo hotel na 5ª avenida, o Michelão resolveu levar os filés já cortados e prontos, acondicionados para a preparação final no hotel. Às 23 horas, levou 5 malas grandes ao açougue para colocar as peças. Eram aquelas malas duras da Sansonite, de fecho especial e que todos usavam nas viagens. Ao chegarmos no Aeroporto Kennedy, as malas desceram na esteira rolante, com aquele carinho que conhecemos, batendo umas nas outras e não suportaram os atritos, se abriram e espalhou peças de filés congelados, na esteira.  Corremos para limpar o gêlo que os cobria e colocá-los de volta nas malas, tentando fechá-las, pois nesta altura as fechaduras também estavam congeladas. A relações públicas da VARIG, que gentilmente nos esperava, ao vêr o acontecido foi clara e objetiva. Estaria do lado de fora nos esperando com o ônibus, caso conseguíssemos passar pela rígida alfandêga americana, o que ela duvidava. Mas nos fez prometer que não a chamaríamos em hipótese alguma e tampouco envolveríamos o nome da VARIG. O Michelão pegou um daqueles carrinhos maiores, de quatro rodas e usado pelos carregadores, colocou as 5 malas e por cima delas as caixas com os aventais que seriam distribuidos aos convidados à noite. Ele foi a frente empurrando o carrinho e nós o seguindo. O fiscal perguntou o que era aquilo e êle, falando em português, abriu uma das caixas e tirou um avental para mostrar. Gesticulando perguntou quantos eles eram e retirou mais alguns aventais oferecendo ao fiscal e sua equipe. Ele não entendeu nada e nos liberou para passarmos. Quando chegamos do lado de fora e reencontramos a RP da VARIG, ela não acreditou, tinha a certeza de que não conseguiríamos passar e voltaríamos para o Brasil no mesmo avião. Para completar, ao caminharmos para o nosso ônibus, o fiscal aparece, bate nas costas do Michel e fala que a equipe deles era de 15 pessoas. Levou 20 aventais, feliz da vida. Desnecessário dizer que o jantar foi um sucesso.

Os convites eram inúmeros e vinham de todo o mundo. Estivemos na Argentina, Uruguai, Chile, França, Portugal, Espanha, Estados Unidos, Rússia, México, África do Sul, além das capitais e principais cidades brasileiras. Sempre com a liderança do Michelão, nos sentiamos orgulhosos por poder congregar, com muito calor humano e muita amizade, como nos mostram os caminhos do turismo, unindo povos e raças, sem distinção e preconceitos de qualquer espécie. Este sempre foi o objetivo do Michelão pelo mundo afora, solidificando amizades, congregando pessoas e dando sentido às pequenas coisas que a vida nos oferece.

Imagino o Presidente Michel sendo recebido com festa por São Pedro, encontrando a grande companheira D.Fátima e os amigos feijoeiros como o meu irmão Abel, Aldo Silviero, seu fiel escudeiro Vitor Daniel e tantos outros, que sem dúvida estarão de avental e entregarão o prato símbolo do nosso clube ao Chefe maior, lá no céu. Mas lembrando sempre o nosso lema que “de um pé de feijão nasce uma grande amizade”.

Saudades, Michelão!

*Roberto Luciano Fortes Fagundes é presidente do Clube do Feijão Amigo de Minas Gerais.

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