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Travel Techs: mercado que cresce, se diversifica e ganha espaço no turismo nacional

Você já comparou preços ou fez alguma reserva de passagens, hotéis ou casas de temporada por um meio digital? Já gerenciou viagens corporativas pela internet ou usou algum aplicativo de mobilidade? Se respondeu sim para alguma desta perguntas, você certamente já utilizou os serviços de uma travel tech.

As travel techs são empresas de tecnologia (ou startups) que atuam no setor de turismo e viagens. No Brasil, esse segmento começou a se popularizar no início dos anos 2000, com chegada das OTAs (Online Travel Angency), mas nos últimos anos se expandiu de forma significativa em meio a lacunas do mercado de turismo, que se abriram tanto pelo surgimento de novas tecnologias quanto pelo baixo investimento do mercado em digitalização.

Travel techs no BrasilAtualmente, já são 225 empresas atuando no segmento, de acordo com a Associação Brasileira de Startups (ABStartups). O número representa um aumento significativo em relação às 101 monitoradas pelo Ministério do Turismo em março de 2020.  A maioria destas travel techs surgiram há sete anos ou menos. A expectativa é de que este mercado movimente cerca de R$ 35 bilhões já em 2022, de acordo com relatório produzido pela Loureiro Consultores.

“Todos os ramos estão cada vez mais usando as soluções tecnológicas como meios para rentabilizar seu negócio ou entregar algo mais qualificado para os seus clientes, e o setor de turismo e viagens não foge dessa regra. Facilitadores de experiência dos viajantes, como por exemplo aluguel de materiais que ajudem na viagem ou até mesmo de um passeio, são exemplos claro de que o crescimento no setor de travel techs é grande e ainda pode ser muito mais explorado”, afirma José Muritiba, diretor executivo da ABStartups.

Esse avanço mudou a realidade do mercado nacional e suas perspectivas para o futuro. O cenário criado vem contribuindo para posicionar o Brasil como um dos principais mercados das Américas em tecnologias de viagem e também para mudar estruturas no setor de turismo.

Gigantes como a CVC Corp ampliaram o investimento em tecnologia no último ano para acompanhar essa transformação. Já outras empresas tradicionais passaram a perder espaço ou ter que recorrer a soluções desenvolvidas pelas travel techs.

“Tem uma defasagem de conhecimento e de atualização no Brasil. Muitas empresas se acostumaram a não precisar fazer esforço porque tinha uma demanda pronta e espontânea. Seja em destinos de praia ou cidades polo de negócios. Agora o cliente está mais exigente e experiente e ele compara e quer tudo na palma da mão. Então o mercado não é mais tão simples como era anos atrás”, explica Marta Poggi, consultora especializada em Tendências, Inovação e Transformação Digital no Turismo.

Marta Poggi, especialista em Marketing Digital

Marta Poggi: “O mercado não é mais tão simples como era anos atrás”

A última década não é marcada apenas pelo crescimento da tecnologia de viagem, mas também pela sua diversificação. Além de empresas de reservas online, o mercado produziu soluções para viagens corporativas, distribuição, eventos, mobilidade, experiências e inteligência de negócios. Neste contexto, surgiram startups que resolveram problemas antigos do setor, e outras que atenderam a necessidades que nem mesmo os consumidores ou empresas sabiam que tinham.

Este avanço das travel techs se intensificou ainda mais com as mudanças provocadas pela pandemia de Covid-19, que trouxeram outras preocupações a viajantes e empresas, relacionadas a questões sanitárias e a uma melhor experiência. O uso de tecnologia em passaportes digitais, em selos de hotelaria, e no filtro de público e em eventos e restaurantes são exemplos desta escalada das soluções digitais no turismo.

“A pandemia acelerou essa transformação digital e mudou necessidades do viajante. A gente precisa de tecnologia para ter mais segurança sanitária, para agilizar embarques e para ter melhores experiências antes e durante a viagem. Por isso a gente vê um foco maior do governo no desenvolvimento desse mercado para tentar acompanhar os outros países. Enquanto no mundo se discute gestão de destino inteligente, nós aqui estamos fazendo plano de desenvolvimento turístico, que quando ficar pronto já estará defasado”, completa Marta Poggi.

ATUAÇÃO DO GOVERNO NO INCENTIVO A TRAVELTECHS

Esse movimento citado por Marta é a Estratégia Nacional de Inovação do Turismo, programa do Ministério do Turismo lançando por meio de um convênio com a Wakalua, um hub global de inovação resultado de uma parceria entre a Globalia e a Organização Mundial do Turismo (OMT).

A ação incluiu um mapeamento do mercado de travel techs e a realização de um Desafio de Inovação do Turismo. A competição foi vencida pela Worldpackers, plataforma colaborativa que permite usuários a trocar suas habilidades por acomodação e refeição em estabelecimentos parceiros.

Além destas duas primeiras etapas, o convênio prevê o desenvolvimento de uma estratégia 2021-2024, para tornar o Brasil referência em inovação turística, e a construção de uma sede física para um hub de inovação turística, ainda sem local definido.

“Faltava uma política pública que fomentasse a inovação no setor de turismo. Não sei se a estratégia nacional vai ser suficiente, mas temos uma coisa boa que os nossos números são sempre grandiosos. Apesar de ter apenas 6 milhões de turistas estrangeiros, temos um mercado interno muito forte”, ressalta Marta.

Projetos do convênio entre Mtur e Wakalua

Projetos do convênio entre Mtur e Wakalua

MERCADO CRESCE NAS LACUNAS

Na avaliação de analistas, o segmento de travel techs nacionais cresceu em ritmo acelerado por dois fatores. O primeiro são as especificidades do mercado de turismo brasileiro, como questões de legislação civil e tributária e a insegurança jurídica, que tornam necessário o investimento em um departamento jurídico. Esta especificidade também se mostra na ausência de grande parte do mercado hoteleiro e aéreo nacional nos mecanismos de reservas utilizados por travel techs internacionais.

“O Brasil tem muita peculiaridade e por isso empresas que são gigantes lá fora não são tão relevantes no Brasil. Minha leitura é que essas empresas de fora não vêm para o Brasil por estas especificidades. Temos Gol e Azul fora dos GDSs, o que já representa 70% do mercado. O número de hotéis nessas plataformas também é pequeno. Para a empresa estrangeira a opção acaba sendo fazer aquisição de uma empresa brasileira ou escolher outros mercados melhores em que possam entrar mais rápido”, explica Marcelo Linhares, CEO da Onfly, traveltech de gestão de viagens corporativas e que elaborou o Mapa das Travel Techs, no qual se baseou o estudo da Loureiro Consultores.

Já o segundo fator, visto como principal por Linhares, é a falta de investimento em tecnologia por parte das empresas tradicionais de turismo do Brasil. Ele destaca que gigantes que lucraram com o bom momento do setor, não se preocuparam em evoluir seu modelo de negócios e acabaram tendo problemas com o surgimento de travel techs que realizam o mesmo serviço, de uma maneira mais ágil e eficiente pelo auxílio do digital.

“A lacuna maior quem deixou não foram empresas de fora, mas as empresas de turismo do Brasil, que não digitalizaram seus negócios”- Marcelo Linhares

“A lacuna maior quem deixou não foram empresas de fora, mas as empresas de turismo do Brasil, que não digitalizaram seus negócios. Elas cresceram e não reinvestiram em tecnologia e agora, que isso se tornou essencial, passaram a correr atrás. O turismo no Brasil representa algo em torno de 8% do PIB e cada vez mais a tecnologia vai absorver uma parte deste percentual, seja direta ou indiretamente”, completa.

Esta “lacuna” de inovação no turismo vem sendo observada inclusive por empresas de tecnologia de outros mercados, como Rappi e Banco Inter, que criaram áreas para atuar no setor de turismo.

Rappi Travel, lançado em outubro do ano passado

Rappi Travel foi lançado em outubro do ano passado

CENÁRIO DE POUCOS (E BAIXOS) INVESTIMENTOS

Se o cenário para travel techs é otimista, em meio a apoio governamental, abertura de mercado, tendência pelo uso do digital e expectativa pela retomada das viagens, o mesmo não se pode dizer da captação de recursos.

A maioria das empresas se encontra na fase inicial, com investimentos dos criadores, do chamado “investidor anjo”, ou nas fases pre-seed (investimentos entre R$ 100 mil e 400 mil) ou seed (entre R$ 400 mil e R$ 2 milhões).

Os valores, ainda baixos para a maioria das empresas, refletem um cenário de crise econômica que encolheu o mercado de viagens nos últimos anos, e o baixo número de turistas internacionais, estacionado na casa dos 6 milhões (antes da pandemia). Outro fator que atrapalha nessa busca por capital é a concorrência com fintechs, agrotechs e edtechs, que vêm ganhando a preferência de investidores no Brasil.

O baixo investimento se reflete no número de traveltechs que, apesar de crescente, ainda representa 1,7% das mais de 13 mil startups brasileiras, de acordo com a Absturtups.

“Quando você olha lá fora, o dinheiro está jorrando. Aqui no Brasil, tirando algumas exceções como Hurb e Buser, que já receberam um caminhão de dinheiro, o resto ainda está muito incipiente. Ainda são pequenos os investimentos. O dinheiro de capital de risco ainda vai para fintechs, soluções e-commerce e agrotechs, que capitalizam muito”, explica Marcelo Linhares, da Onfly, empresa que esse ano recebeu um aporte de R$ 2 milhões da gestora de recursos Cedro Capital.

Relatório da Wakalua produzido para o MTur no ano passado identificou níveis de investimento de 97 travel techs

Relatório da Wakalua produzido para o MTur no ano passado identificou níveis de investimento de 97 travel techs

Dentro deste mercado de baixas cifras, algumas exceções se destacam, como citado por Linhares. De acordo com o monitoramento do mercado Brasileiro, feito pela Wakalua, quatro empresas contam com investimentos série C, considerado o maior nível de investimento para empresas sem capital aberto na bolsa.

Nesse grupo estão a Viajanet e o Hurb (antigo Hotel Urbano), apontado como o próximo unicórnio (startup que atinge valor de mercado de US$ 1 bilhão) brasileiro entre as travel techs, seguindo os passos 99, primeira brasileira a ganhar este título. Nesse grupo também entra a Mundi, adquirida pela Booking Holdings. Classificada na série B, com investimentos de cerca de US$ 70 milhões, outro destaque é a Buser, empresa que oferece um serviço de viagens de ônibus por meio de fretamento.

A estimativa do MTur é de que o setor, no geral, já tenha captado quase R$1,4 bilhão (US$ 278 milhões) ao todo no Brasil.

UM MERCADO DE DESTAQUES

Mais do que crescer, as travel techs vêm ganhando espaço em um mercado de turismo com cada vez mais compradores digitais. O uso de buscadores, sites de comparação de preço e de reserva de hotéis se tornaram quase passagem obrigatória para quem planeja uma viagem, ainda que não finalize a compra por estes meios.

O investimento em publicidade também é perceptível, principalmente nas redes sociais, canal no qual as travel techs aparecem com frequência para usuários com histórico de buscas por viagens. Novidade desta pandemia foi o forte investimento em mídia nos canais da televisão aberta e fechada, com destaque para empresas de reservas como a 123 Milhas.

Estrangeiras com grande presença no mercado online brasileiro como a Decolar.com (Despegar), Booking.com e Expedia disputam espaço com as nacionais Hurb e Viajanet, além de Submarino Viagens e CVC.com, ambas da CVC Corp.

Entre os buscadores, a Voopter ganhou espaço antes dividido entre players como Kayak e Skyscanner. Na hotelaria, a Omnibees virou líder de mercado ao atender centenas de hotéis fora dos GDS, se tornando não só uma solução para hoteleiros, mas para canais de distribuição.

Housi e VHC (CVC Corp) passaram a ocupar o mercado de aluguéis de propriedades, segmento visto como um dos com maior potenciais de crescimento dentro do turismo. Muitas empresas também solidificaram o caminho no desenvolvimento de soluções para o mercado corporativo, como Onlfy, Paytrack, B2BReservas e Voll. Outras ampliaram sua atuação, caso da Smiles, da Gol, que deixou de ser apenas um programa de fidelidade para se tornar uma plataforma de viagens.

Além das reconhecidas no mercado, há também as iniciativas que ganharam destaque como a Worldpackers, premiada no Brasil, e a Sisterwave, plataforma que ajuda mulheres que viajam sozinhas, premiada no desafio global de startups, promovido pela OMT, que ainda teve dez travel techs brasileiras entre as semifinalistas.

CEO da Sisterwave, Jussara Botelho, recebeu o prêmio ao lado do Ministro do Turismo, Gilson Machado Neto, durante a Fitur, em maio deste ano.

CEO da Sisterwave, Jussara Botelho, recebeu o prêmio ao lado do Ministro do Turismo, Gilson Machado Neto, durante a Fitur, em maio deste ano. (Foto: Roberto Castro/MTur)

MOBILIDADE NO TURISMO

Diferente de outros mercados, no Brasil, o segmento de mobilidade está muito mais integrado ao de turismo. Além de não contar com uma rede de trens turísticos, o País ainda conta com a peculiaridade de a maior parte das viagens ser feita de ônibus e carros, fator que contribui para esta classificação das empresas de mobilidade como travel techs.

“A grande diferença do Brasil está nesta inclusão das empresas de mobilidade urbana entre as travel techs. Eu defendo muito que os setores de viagens e de mobilidade se convirjam. As viagens podem ser de avião, ônibus ou carro. Não dá para considerar uma mobilidade e outro turismo”, observa Marcelo Linhares da Onfly.

Marcelo Linhares, CEO dsa Onfly (Divulgação).

Marcelo Linhares, CEO da Onfly (Divulgação).

CAMINHO SEM VOLTA

Um debate antigo, mas ainda vigente no trade turístico, é sobre a briga por espaço entre os meios tradicionais e os digitais e se um substituirá ou não o outro. Se por um lado a pandemia fez com que alguns clientes vissem a necessidade de ter um atendimento humano, por outro, mostrou que muitas travel techs são capazes de lidar com problemas dos clientes.

Com exceção da Decolar.com, a maior parte das empresas apresentou avaliação positiva dos usuários durante a pandemia. No site ReclameAqui, empresas como Hurb, Viajanet, Max Milhas e 123 Milhas têm nota acima de 7, com a maior parte das reclamações resolvidas, o que mostra que o atendimento ao cliente não aparenta ser um “gargalo”, mesmo na situação atípica da pandemia.

A análise é de que existe mercado para os dois modelos de negócio, mas, em um mundo cada vez mais rápido e interligado, a digitalização não pode ser uma opção para nenhum segmento, ainda mais um tão global como o turismo. Serviços de personalização, compra online, reserva de serviços e aluguel são oferecidos por empresas de tecnologia em todos os segmentos, e possivelmente consumidos por quem negue a sua eficácia no segmento em que trabalha.

“Netflix sugere filmes para você, o Uber para um carro na porta da sua casa, outros aplicativos atendem seus pedidos de delivery.  As pessoas não se dão conta que como consumidores elas já apreciam e optam por toda esta tecnologia, mas como fornecedores querem negar e brigar contra isso”, finaliza Marta Poggi.

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