Por ano, o número de processos contra as companhias aéreas brasileiras aumentou, em média, 60% de 2020 a 2023. Desse montante, 10% das ações foram movidas por apenas 20 advogados ou escritórios, o que sugere a concentração de litígios. Os dados foram apresentados nesta quinta-feira (12) pela Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR) em Brasília (DF). O estudo “Mapeamento sobre Litigância Predatória no Setor Aéreo do Brasil” reúne informações sobre a judicialização no setor e como esse mercado tem crescido no país.
Os dados que estamos apresentando hoje são alarmantes e revelam um cenário preocupante para o setor aéreo brasileiro. Esta não é uma consequência natural de problemas operacionais, mas sim o resultado de um esquema sofisticado
Dados coletados pela plataforma Spotlaw a partir da análise de mais de 400 mil processos judiciais em todo o Brasil revelam a complexidade e o modus operandi dos principais agentes envolvidos na judicialização do setor aéreo brasileiro.
“Os dados que estamos apresentando hoje são alarmantes e revelam um cenário preocupante para o setor aéreo brasileiro. Esta não é uma consequência natural de problemas operacionais, mas sim o resultado de um esquema sofisticado que envolve diversos atores, desde advogados até empresas de tecnologia e influenciadores digitais. Precisamos de uma abordagem integrada para enfrentar essa questão, para garantir que o crescimento do setor aéreo brasileiro não seja comprometido por práticas predatórias e desproporcionais”, afirmou a presidente da ABEAR, Jurema Monteiro.
Por trás desse cenário, há indícios de uma estrutura que utiliza ferramentas de marketing digital para captar consumidores de forma irregular, além de envolver a compra de créditos judiciais e o comércio ilícito de vouchers de viagens.
Este fenômeno ocorre apesar da qualidade dos serviços aéreos no Brasil, onde, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), apenas 3% dos voos programados em 2023 foram cancelados e 85% chegaram no horário. Isso indica que o índice de judicialização no país é desproporcional quando comparado internacionalmente.
Para se ter uma ideia, dados de 2019 mostram que, nos Estados Unidos, há uma ação judicial para cada 12.585 voos, ou 1 ação para cada 1.254.561 passageiros. No Brasil, uma ação é impetrada para cada 0,52 voo ou para cada 227 passageiros, conforme apontado pelo escritório Bernardi & Schnapp Advogados.
“O estudo revela que a judicialização do setor aéreo no Brasil não é um reflexo natural de problemas operacionais ou de qualidade. Trata-se, na verdade, de um movimento incentivado. Todo consumidor tem o direito de acionar a Justiça, mas o que vemos hoje é algo desproporcional, que afeta não só as empresas, mas também os consumidores, pois esse custo é repassado para o passageiro”, acrescentou a presidente da ABEAR.
O estudo revela que a judicialização do setor aéreo no Brasil não é um reflexo natural de problemas operacionais ou de qualidade. Trata-se, na verdade, de um movimento incentivado
Como funciona o esquema de captação de clientes?
Segundo o “Mapeamento sobre Litigância Predatória no Setor Aéreo do Brasil”, perfis em mídias sociais evoluem para grandes empresas de tecnologia, financiadas por fundos de investimento internacionais. Esses perfis transformam-se em plataformas digitais que, por meio de publicidade agressiva, oferecem serviços a muitos passageiros, a maioria sem problemas com seus voos.
Após identificar esses passageiros, inicia-se um processo de funil de vendas. Os casos são separados e direcionados para colaboradores dessas empresas, que entram em contato com os passageiros para “adquirir” os direitos de ação contra a companhia aérea. Todo o processo é conduzido de forma extremamente eficiente, com a promessa de facilidade e lucro rápido.
Após a aquisição dos direitos de ação, as plataformas repassam os dados para advogados parceiros, que entram com as ações judiciais em nome dos consumidores que cederam seus direitos. O objetivo dos advogados é fechar acordos rapidamente e da forma mais vantajosa possível. Esses acordos têm um elevado potencial financeiro e aumentam os lucros das plataformas.
Na operação, as plataformas comercializam os trechos de passagens obtidos por meio dos vouchers para agentes do setor de turismo, multiplicando rapidamente o investimento feito na compra dos direitos de ação.