A proposta de mudança da escala de trabalho 6×1 para 5×2, 4×3, ou outras variações menos extenuantes tem gerado intensos debates no Brasil, especialmente no setor de turismo, onde os desafios de atrair e reter talentos são cada vez maiores. Especialistas como Mariana Aldrigui, professora da USP, apontam que a atual escala contribui para a insatisfação dos jovens trabalhadores, prejudicando a competitividade e a qualidade dos serviços oferecidos. Aldrigui defende que jornadas mais curtas podem trazer ganhos a médio e longo prazo, tornando o setor mais atrativo e sustentável, mesmo diante de impactos financeiros iniciais.
Por outro lado, representantes de entidades como a Abih Nacional, FOHB e FBHA alertam para o risco de medidas abruptas, enfatizando a necessidade de estudos aprofundados e negociações coletivas para evitar prejuízos à saúde financeira das empresas.
Além da questão operacional, a mudança na escala levanta um ponto estratégico para o turismo: o impacto do maior tempo livre do trabalhador no consumo de viagens e lazer. Embora Aldrigui reconheça que o aumento do tempo livre poderia estimular o lazer urbano e algumas viagens, ela pondera que os benefícios econômicos dependem de um aumento significativo na renda média do trabalhador, algo que não deve ocorrer de forma imediata.
Entidades como a Abav Nacional destacam que a adaptação a novos padrões de consumo exigirá flexibilidade e inovação nas ofertas de agências e destinos turísticos.
Nesse cenário, o setor se encontra dividido, entre o otimismo em torno dos avanços sociais e as preocupações práticas com os custos e as adaptações necessárias.
Mariana Aldrigui revelou de qual forma o turismo seria impactado por essa nova escala, se ela deixar de ser 6×1 e se tal impacto representaria mais benefícios ou prejuízo para o setor.
“Minha leitura é que o turismo brasileiro já é impactado negativamente pela escala 6×1, especialmente no pós pandemia. O que muitos empresários chamam de crise de mão de obra é na verdade um reflexo da insatisfação dos mais jovens com as ofertas de trabalho existentes, extenuantes e mal remuneradas. Uma vez adotando, por exemplo, a escala 5×2, os empregos do setor passam a ser um pouco mais competitivos e atraentes. Minha leitura é que há muitos empresários falando pelo setor de hospedagem e alimentação que estão completamente desconectados da realidade, e especialmente da realidade dos mais jovens – e que sai muito mais caro ter pessoas sem qualificação, sem motivação e sem aderência ao setor, e que só trabalham por absoluta necessidade da baixa remuneração oferecida, dificultando o estabelecimento de vínculos mais duradouros. Então, ainda que obviamente haja um impacto financeiro inicial, eu só consigo enxergar benefícios de médio e longo prazo. Em um ano em que todos estamos celebrando resultados muito positivos para todo o setor de turismo, é perfeitamente possível construir alternativas viáveis com jornadas menores – e acrescento, incluindo mais tempo de treinamento, de atualização e de melhoria nos processos”, afirmou Aldrigui.
Ainda relacionado a pergunta acima, Aldrigui fez um balanço se seria possível prever um aumento no consumo de viagens e serviços relacionados, se o trabalhador passasse a ter mais tempo livre, sem penalidade no salário.
“Certamente haverá mais tempo livre, mas precisamos ser sensatos. A maior parte das pessoas alvo deste benefício tem renda média mensal de 1,5 salários mínimos. Estamos então falando de pessoas que mal conseguem dar conta de suas despesas mínimas mensais. Naturalmente, perceberemos mais pessoas consumindo lazer nas cidades em que moram, possivelmente pressionando as áreas públicas e os shopping centers, por exemplo. Essa pressão pode ‘empurrar’ pessoas com recursos para opções pagas e mais viagens, mas não necessariamente. Para termos mais turismo precisamos de aumento na massa salarial, e isso não me parece algo que vá acontecer tão rapidamente”, explicou.
Mariana também explicou, caso aprovada, se seria uma transição, no quesito aplicabilidade, fácil de adaptar para as empresas.
“Atualmente, com dois ou três comandos em qualquer das plataformas de Inteligência Artificial você consegue indicar quantos funcionários tem, quais os horários devem ser preenchidos e quais as restrições, e você terá milhares de soluções à sua disposição em segundos. Não tem muito segredo, mas envolve a necessidade de compromisso da gestão. Em minha passagem na Embratur, conseguimos rapidamente desenvolver escalas de trabalho híbrido que funcionaram muito bem e que, quando traziam algum problema, eram facilmente resolvidas. Os próprios funcionários deram excelentes sugestões e criaram sistemáticas fáceis de serem geridas. Além disso, especialistas contábeis e de RH podem dar suporte para o desenvolvimento e implantação das mudanças. Eu realmente não vejo dificuldade – mas antevejo sim muita reclamação e ameaças, como sempre acontece quando tratamos de avanços civilizatórios. Não abandonarei o otimismo – creio que quanto antes conseguirmos melhorar as condições de trabalho no turismo, maiores as chances de termos mais jovens talentosos se interessando pelo setor”, completou.
Mas afinal, o que acham as entidades do setor? O M&E procurou alguns dos principais organismos do turismo nacional, que se posicionaram sobre o tema. As respostas você pode conferir abaixo.
Abih Nacional
“Não ter um estudo dos impactos que essa redução de jornada causaria prejudica a análise da proposta, pois não temos bases econômicas para a análise. As discussões ainda estão muito embrionárias e não há como prever suas consequências. Cada setor tem suas especificidades e, seguindo o exemplo estadunidense, acredito que o melhor sistema sejam feitos através de acordos coletivos” – Manoel Linhares, presidente nacional da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (Abih Nacional)
FOHB
“O FOHB-Forum de Operadores Hoteleiros do Brasil acompanha atentamente a discussão sobre a escala 6×1. Nosso posicionamento é que uma mudança de tal ordem não pode ser feita de maneira intempestiva sem estudos consistentes que possam embasar tal decisão. Entendemos que a indústria hoteleira brasileira pode se inspirar nas melhores práticas internacionais, apoiando-se também na flexibilidade de acordos e convenções coletivas. É preciso garantir todos os direitos dos colaboradores sem sacrificar, de forma impensada, a saúde financeira e a capacidade de gestão dos hotéis. Qualquer decisão abrupta, impensada, emocional pode produzir um efeito contrário ao pretendido, prejudicando exatamente quem se estaria visando beneficiar e ainda desencadear uma indesejável crise econômica, inclusive com impactos inflacionários” – Orlando de Souza, presidente executivo do FOHB.
FBHA
“A Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA) se posiciona de forma contrária à PEC de iniciativa da deputada federal Erika Hilton (PSOL/SP), cujo objeto se traduz na redução da carga horária máxima, de 44 para 36 horas durante, no máximo, 4 dias por semana. A entidade ressalta que a Constituição da República de 1988 já permite a redução da jornada de trabalho por meio da negociação coletiva de trabalho, ou seja, entre trabalhador e empregador. Para a federação, tal redução abrupta, acompanhada de limitação do labor por apenas quatro dias na semana, impactaria diretamente na competitividade empresarial perante o mercado mundial, inclusive com prejuízos para micros e pequenas empresas, que não teriam como arcar com o aumento de custos em razão da redução da jornada de trabalho, haja vista o consequente aumento exponencial do custo da folha de pagamento, em razão da ausência de redução salarial proporcional. Portanto, o argumento apresentado por outros de que isso geraria empregos não se sustenta, pois o que gera emprego é o desenvolvimento econômico, o crescimento e a qualificação profissional. É importante observar que a carga horária máxima estabelecida no Brasil (44h) está dentro da média mundial, sendo que países como Alemanha, Argentina, Chile, Dinamarca, Holanda, México e Inglaterra possuem regime semanal de 48 horas de trabalho. Nesse sentido, o último estudo realizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) aponta que 22% dos empregados do mundo trabalham mais de 48 horas por semana. No Brasil, este índice chega a 18,3%, com carga horária maior, sobretudo nos setores do comércio e serviços. Entendemos e valorizamos iniciativas que tem como objetivo melhorar o bem-estar dos trabalhadores e adaptar o mercado às novas demandas sociais. No entanto, gostaríamos de destacar que a redução da jornada de trabalho sem a diminuição proporcional dos salários pode gerar um aumento significativo nos custos operacionais das empresas. Este acréscimo nas despesas com a folha de pagamento poderia sobrecarregar ainda mais o setor produtivo, que já enfrenta altos custos com obrigações trabalhistas e fiscais” – Alexandre Sampaio, presidente da FBHA.
Abav Nacional
“A Abav entende que mudanças na escala de trabalho podem impactar o setor de turismo. O papel do turismo, neste caso, é se adaptar para caso o trabalhador tenha mais disponibilidade para viajar ou não. Para as agências de viagens, o impacto dependerá de como as novas escalas afetarão os hábitos de consumo. Se houver aumento na demanda fora dos tradicionais fins de semana, será necessário adaptar ofertas e pacotes para atender a essa nova dinâmica do turismo. A transição para uma nova escala pode variar em complexidade dependendo do setor. Empresas do turismo, como agências de viagens, precisarão ajustar estratégias de atendimento e parcerias para capturar essa nova demanda. Para isso, pode ser necessário readequar horários, entender e adaptar-se aos novos hábitos de consumo, realizar novas pesquisas de mercado e reestruturação de pacotes. Em paralelo, o aumento do fluxo turístico pode exigir melhorias em destinos menos preparados para receber visitantes fora de temporada. A Abav Nacional vê que este é um momento muito prematuro para definir benefícios ou malefícios a respeito desse tema. Tudo o que está em ocorrência hoje pode se alterar até a decisão do Governo e das empresas a nível nacional. A Abav Nacional está atenta a mudanças que impactam o setor de turismo e atualmente se encontra em contato com o setor jurídico responsável para promover o devido auxílio aos seus associados. Nesse momento, o objetivo da Abav Nacional é reforçar seu compromisso em ser uma aliada estratégica para os agentes de viagens, promovendo o desenvolvimento sustentável do setor” – Ana Carolina Medeiros, presidente da Abav Nacional.