2024 está perto do fim, e chega neste período com um saldo de avanços no segmento da aviação e novos desafios, como contou Jurema Monteiro, presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) ao MERCADO e EVENTOS. A entidade, que possui 12 anos de existência, atua como uma voz clara para o segmento sobre a perspectiva privada, que visa atuar com uma agenda positiva, beneficiando não só as corporações como os passageiros.
A exemplo da luta em prol dos avanços do setor, a Abear, em conjunto com Aeroportos do Brasil (ABR), Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata), Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo (Alta), Junta dos Representantes das Companhias Aéreas Internacionais do Brasil (JURCAIB) e o Conselho Internacional de Aeroportos (ACI) assinaram a Carta Brasília, no dia 5 de novembro, durante o Airport National Meeting 2024.
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O documento, que é pautado nos pilares do Acesso, Tributação e Sustentabilidade, visa a criação de estratégias que se revertam em ações para estimular o desenvolvimento do setor aéreo, culminando também na melhoria do cenário econômico nacional.
“A Carta de Brasília é um conjunto de temas que nós entendemos serem fundamentais para o setor se desenvolver. Defendemos nela que a Anac, seja mantida como uma agência independente, com recursos técnicos e um quadro profissional especializado no setor aéreo, para que possamos nos fortalecer. Uma agência forte significa um setor forte.
Também apontamos quanto é importante ter um tratamento adequado para o setor na reforma tributária, recursos voltados para o investimento, seja em aeroportos ou companhias aéreas e uma política de incentivo para redução de custos. O terceiro ponto da carta é o meio ambiente. A agenda de ESG e mudanças climáticas, que este ano afetou o mundo inteiro, também impactou o Brasil. Não podemos mais deixar essa agenda para o futuro, ela precisa ser discutida agora ”, esclarece.
O bate-papo incluiu ainda a retomada da Azul como afiliada da Abear, fato que reforça ainda mais a relevância da agenda, também discutimos os desafios cambiais e econômicos sob a perspectiva dos cenários nacionais e internacionais, a descarbonização, judicialização e o crescimento da malha aérea.
Vale ressaltar, que as companhias aéreas Abaeté, Azul, Gol, Latam e Voepass oferecerão 29,8 milhões de assentos para voos domésticos e internacionais na alta temporada de verão, de 15 de dezembro a 28 de fevereiro, representando um aumento de 12% em relação à temporada passada, com 184 mil voos.
O crescimento reflete a recuperação do setor aéreo e faz parte do programa “Conheça o Brasil: Voando”, em parceria com o Ministério do Turismo, Abear e companhias aéreas. A oferta de assentos será maior nas regiões Sudeste (16,1%), Sul (6,5%), Nordeste (com destaque para Ceará e Pernambuco) e Centro-Oeste (14,8%), com destaque também para a ampliação de voos internacionais e domésticos.
Confira a entrevista completa abaixo.
Entrevista Abear

2024 marca um período de superação dos desafios enfrentados nos últimos anos (Divulgação/Vital Card/FreePiK)
MERCADO & EVENTOS – Qual o balanço que você faz do ano de 2024, tendo em vista os diversos desafios econômicos e políticos do país?
JUREMA MONTEIRO – 2024 marca um período de superação dos desafios enfrentados nos últimos anos. A aviação está alcançando os níveis de operação de 2019, embora em um cenário de custos elevados. Ainda assim, o momento exige atenção para um crescimento sustentável. Este ano foi positivo, com uma expansão significativa da malha internacional e crescimento em todas as regiões do país no mercado doméstico. Isso reflete a demanda crescente dos brasileiros por viagens, acompanhada pelo interesse das companhias aéreas em atender esse público.
Outro marco de 2024 foi o avanço em questões estruturais, como a autorização do uso do Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC) para conceder crédito às empresas aéreas. Diferentemente de outros setores econômicos que já contavam com fundos de investimento, a aviação pleiteava esse apoio há anos, especialmente após os impactos da pandemia. Agora, parte dos recursos do FNAC está destinada a esse fim, aguardando regulamentação para ser utilizada pelas companhias, consolidando um avanço significativo para o setor.
Em 2024, vemos um cenário positivo. A Abear está fortalecida, com a reintegração da Azul como associada, o que representa um ganho significativo. Esse foi um ano muito bom para o setor e, pessoalmente, estou muito feliz por chegar ao final do ano com a Abear fortalecida.
MERCADO & EVENTOS – Por que a retomada da Azul para a Abear é importante e quais os cenários que influenciaram tanto a saída quanto esse retorno?
JUREMA MONTEIRO – O mercado é dinâmico, muitas coisas acontecem. Em 2019, a Azul entendeu que, sozinha, poderia avançar mais em seus pleitos e decidiu sair. Após isso, enfrentamos a maior crise da história do setor, e, sem dúvida, foi por meio da força conjunta que conseguimos e continuamos a superar os desafios. Hoje, está muito claro que a união é essencial. A Azul retornou para somar forças novamente com as demais empresas e, juntas, criar uma agenda voltada para o médio e longo prazo. E sendo uma companhia de grande relevância para o Brasil, traz um novo impulso à associação, consolidando sua atuação e mirando um futuro mais robusto.
Se analisarmos o setor, nos últimos anos trabalhamos muito com base em situações emergenciais. Está cada vez mais evidente que, embora ainda existam desafios significativos, como o alto endividamento — que cada empresa está enfrentando à sua maneira —, é fundamental olhar para o futuro. Precisamos focar em como melhorar a infraestrutura, a formação de mão de obra, avançar no programa de descarbonização e criar condições de custos mais competitivos. Esse é o foco no momento.

A presidente da Abear, Jurema Monteiro, e os CEOs da Azul, John Rodgerson, da Gol, Celso Ferrer, e da Latam, Jerome Cadier (Túlio Vidal/Abear/Divulgação)
MERCADO & EVENTOS – Alguns desses temas são abordados na Carta Brasília. Como essa iniciativa de fato contribui para o desenvolvimento da aviação?
JUREMA MONTEIRO – A Carta de Brasília é um conjunto de temas que nós [Abear] entendemos serem fundamentais para o setor se desenvolver, e o primeiro deles é o fortalecimento institucional. A aviação é um setor muito regulado, no mundo inteiro, e isso acontece porque envolve a segurança, e a segurança que uma prioridade e precisa estar sempre sob atenção.
No Brasil, temos uma agência reguladora muito boa e competente, que é a Anac, mas ela vive um momento de exposição e desafios. Temos defendido que a Anac seja mantida como uma agência independente, com recursos técnicos e um quadro profissional especializado no setor aéreo, para que possamos nos fortalecer. Uma agência forte significa um setor forte. Esse é um dos pontos da carta.O outro ponto trata dos custos, de forma geral. O quanto é importante ter um tratamento adequado para o setor na reforma tributária; recursos voltados para o investimento, seja em aeroportos ou companhias aéreas; e uma política de incentivo para redução de custos.
O endividamento das empresas é consequência de que muitas das despesas operacionais são dolarizadas, e este ano, de janeiro a novembro, o câmbio já subiu 20%. O Brasil enfrenta uma grande dificuldade, pois nossas empresas geram receita em dólar, mas ela é muito pequena frente ao custo que têm. E temos uma população com renda limitada. Então, se uma empresa tem 60% dos seus custos em dólar e esses custos aumentam 20%, ela não consegue repassar isso para o consumidor imediatamente. Isso gera pressão nas contas da companhia.
É muito importante que essa carta tenha sido assinada em conjunto para mostrar que o setor tem uma preocupação e quer se posicionar como parceiro, principalmente do governo, para criar soluções para isso. O terceiro ponto da carta é o meio ambiente. A agenda de ESG e mudanças climáticas, que este ano afetou o mundo inteiro, e também impactou o Brasil. O Rio Grande do Sul viveu uma situação extrema, forçada por essas mudanças climáticas. Não podemos mais deixar essa agenda para o futuro, ela precisa ser discutida agora.

Em 2025 a agenda ESG está definida como prioridade de discussão para a Abear (Unsplash/Patrick Tomasso)
MERCADO & EVENTOS – Como tem sido o diálogo e a abertura do Governo Federal diante desses pleitos e quais esferas fazem parte dessa conversa?
JUREMA MONTEIRO – Temos uma conversa ampla com o governo em diferentes frentes: na Secretaria de Portos e Aeroportos, no Ministério de Portos e Aeroportos, na Secretaria de Aviação Civil e no Ministério do Turismo. O fortalecimento das agências reguladoras é um assunto amplo e não é exclusivo da aviação, e o governo, acredito, tem sensibilidade para isso.
Também acredito que o governo tem consciência dos seus desafios fiscais e da necessidade de trabalhar nisso para que o país tenha, de fato, um ambiente mais previsível e para que a gente tenha as condições necessárias de atratividade e desenvolvimento empresarial. Precisamos da manutenção dessa estabilidade, da redução dos juros e de uma taxa de câmbio estável para que possamos ter as condições necessárias de desenvolvimento e captação de novas companhias aéreas.
MERCADO & EVENTOS – Sob a ótica da sustentabilidade, o uso do SAF ainda se mostra um desafio. Qual a posição do Brasil nesse esforço conjunto para descarbonizar o setor?
JUREMA MONTEIRO – Aposto muito nesse tema da descarbonização como uma agenda positiva, não só para a aviação, mas para o país. Pelo que temos de experiência, matéria-prima e know-how, acredito que temos um grande futuro.Acho que esse trabalho com o combustível do futuro é um exemplo de um esforço de união, não só das companhias aéreas, mas do setor como um todo, pois trabalhamos com distribuidores, aeroportos e o apoio do governo, incluindo o Ministério de Minas e Energia. Isso mostra que, se conseguirmos nos organizar para planejar as ações, teremos resultados.
MERCADO & EVENTOS – Sabe-se que na aviação o custo de combustível, peças de manutenção e demais atributos da operação é dolarizado. Você acha que a dinâmica das relações entre o Brasil e os EUA pode ser afetada com a eleição de Donald Trump, já considerando o impacto na flutuação cambial?
JUREMA MONTEIRO – Temos uma relação diplomática histórica com os Estados Unidos, então confio muito que essas instabilidades geradas pelo momento das eleições, seja aqui ou lá, serão superadas pelas oportunidades que temos, tanto na relação comercial quanto na diplomática com os Estados Unidos. É cedo para uma avaliação, mas a Abear está acompanhando, e acredito muito que nossas instituições conseguirão manter uma boa relação para que isso não interfira na economia a ponto de nos prejudicar ou complicar o ambiente de trabalho e negócios.
MERCADO & EVENTOS – Salvos os impasses políticos, quais sãos aspectos mais sensíveis que acarretam na desaceleração da aviação mundial?
JUREMA MONTEIRO – Atualmente, o mercado enfrenta dificuldades devido à falta de peças de manutenção e atrasos na entrega de aeronaves, consequências ainda relacionadas aos impactos da pandemia de Covid-19, o que afeta o desenvolvimento do setor a nível global. Além disso, outro ponto crítico é a qualificação da mão de obra. O Brasil precisa desenvolver um planejamento antecipado para evitar um possível déficit, como ocorre em outros países, investindo na formação de pilotos e mecânicos de aviação. Embora ainda não enfrentemos esse problema, é crucial tomar medidas para preveni-lo no futuro.

O crescimento do setor internacional reflete o esforço do Brasil em reposicionar-se globalmente, por meio de ações estratégicas de divulgação (Eric Ribeiro/M&E)
MERCADO & EVENTOS – Em setembro o setor aéreo brasileiro bateu recorde na movimentação de passageiros com 7,9 milhões de pessoas em voos domésticos e 2 milhões em voos internacionais. Como a Abear enxerga esse interesse do brasileiro e do estrangeiro por viagens no país?
JUREMA MONTEIRO – Embora eu tenha falado bastante sobre o mercado doméstico, o grande destaque deste ano é o internacional. A retomada e expansão de rotas, incluindo novas conexões regionais, tem sido um ponto importante. Muitas dessas rotas são operadas por companhias brasileiras e estrangeiras, saindo de hubs além de São Paulo, que sempre concentra um grande volume de passageiros.
O crescimento do setor internacional reflete o esforço do Brasil em reposicionar-se globalmente, por meio de ações estratégicas, divulgação de produtos e maior presença no mercado. No entanto, o turismo internacional é um segmento altamente competitivo. Coloco-me no lugar de um turista estrangeiro nos Estados Unidos ou na Europa, que precisa decidir para onde viajar no verão, com o mundo inteiro à disposição, tanto no hemisfério norte quanto no hemisfério sul, dependendo da temporada. Para atrair esse turista, é necessário persistência, um bom posicionamento e o uso das ferramentas certas para a promoção do Brasil.
A Embratur tem desempenhado um papel importante nesse cenário, e é essencial continuar com esse trabalho, permitindo que as companhias aéreas, nossas parceiras nas ações promocionais, possam colher os frutos dessa estratégia. A conectividade é um fator crucial nesse processo. Se um turista estrangeiro, por exemplo, sabe que pode pegar no máximo dois voos para chegar ao seu destino, sem longas esperas ou múltiplas conexões, isso facilita a escolha. Por isso, as rotas diretas têm ganhado cada vez mais importância. Além disso, o Codeshare tem sido uma ferramenta essencial para oferecer operações mais integradas, tornando a decisão de viagem mais fácil e prática para os passageiros.
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Estima-se que R$ 1 bilhão por ano sejam destinados a judicialização do setor aéreo (Banco de imagens/ Unsplash)
MERCADO & EVENTOS – Segundo dados da Abear, desde 2020 houve um aumento de 60% no número de processos contra as companhias aéreas. O quem sido feito para diminuir esse número e como isso afeta o setor?
JUREMA MONTEIRO – Existem escritórios de advocacia que entram com uma série de processos contra companhias aéreas com o objetivo de ganhar dinheiro. Para isso, pagam adiantadamente uma quantia ao passageiro afetado, compram sua causa e dão seguimento no tribunal. A questão é que isso se tornou um negócio. O problema está relacionado ao custo, que acaba tornando a operação mais cara e afastando investimentos no Brasil.
Estima-se que R$ 1 bilhão por ano sejam destinados a esse fim, o que impacta diretamente no custo das empresas. No entanto, não existe uma solução única para essa questão. Apesar disso, há avanços sendo feitos. O objetivo é evitar ações repetidas, que geram custos ao longo dos anos, e buscar alternativas dentro do Poder Judiciário e do Legislativo para resolver essa questão de forma equilibrada.
A decisão recente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi um importante passo, e as discussões sobre o dano moral presumido no Legislativo continuam em andamento. Além disso, existem iniciativas que podem ajudar a resolver o problema, como um projeto que trata da pretensão resistida. O mais importante é que essa questão está se tornando cada vez mais evidente e tem mobilizado não apenas o setor aéreo, mas também outros setores e o poder público, buscando uma solução.
Essa discussão é crucial para garantir uma calibragem mais justa dos valores de indenização nos processos. As empresas aéreas reconhecem que podem enfrentar problemas que gerem transtornos e até danos materiais ou morais aos passageiros, mas defendem que o dano moral não deve ser presumido. Por exemplo, um simples atraso de voo não deveria automaticamente justificar um ressarcimento adicional para o passageiro, além do valor do contrato de viagem já acordado.
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MERCADO & EVENTOS – Seria esse o caso de uma comunicação mais clara e ampla sobre os direitos e deveres dos passageiros para evitar inconveniências, assim como se aplica às situações com passageiros indisciplinados?
JUREMA MONTEIRO – Sim, sem dúvidas e por isso o papel da imprensa é tão importante e é assim que vamos vencer. A orientação para o passageiro é o desafio da humanidade. As companhias aéreas já desempenham um bom trabalho nesse sentido, mas há sempre espaço para melhorias. Existem muitos instrumentos de inteligência artificial que elas estão usando, mas que podem ser aprimorados, além de muitas ferramentas de atendimento direto que podem ser mais eficientes.
A ANAC ainda está na fase de regulamentação da medida de combate ao passageiro indisciplinado, e temos apoiado e incentivado para que a resolução aconteça o mais rápido possível. Em última instância, haverá uma lista de inadmissão, impedindo passageiros com condutas inadequadas de voar por 12 meses. Esse período foi estabelecido com base em referências internacionais, de países que já implementaram essa prática com resultados positivos.
Acredito que estamos vivendo um momento muito complexo da humanidade. Como mencionou Marcelo Freixo, presidente da Embratur, na abertura do Festuris, começamos o século de uma maneira e provavelmente o terminaremos de outra. Não sei se de forma melhor, mas acho que devemos cuidar do presente com muita atenção. Esse é um trabalho contínuo que precisa de investimento.