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Aviação / Política

Do otimismo à crise, concessão de aeroportos evolui, reduz riscos e atrai investidores

Ministro Tarcísio Freitas bate o martelo no leilão da 6ª rodada (Foto: Ricardo Botelho/MInfra)

Ministro Tarcísio Freitas bate o martelo no leilão da 6ª rodada (Ricardo Botelho/MInfra)

O leilão da 6ª rodada de concessão de aeroportos, realizado na última semana, rendeu ao governo federal R$ 3,3 bilhões, valor que representa um ágio de 1.673%, o maior já registrado desde o início das concessões aeroportuárias, em 2011. O recorde, até então, era do leilão da 5ª rodada, realizado em 2019, com um ágio de 986%.

Mas se os percentuais acima dos lances mínimos representam recordes, o mesmo não se pode falar dos valores. Os 34 aeroportos concedidos nas duas últimas rodadas somados representam um investimento inicial de R$ 5,67 bilhões por parte dos consórcios vencedores. Para se ter uma ideia, os aeroportos de Confins e Galeão, concedidos na 3ª rodada, em 2013, foram arrematados por R$ 20,8 bilhões. Comparando a movimentação, Confins e Galeão juntos registraram em 2019 (ano pré-Covid) 24,8 milhões de passageiros (11,3% do total no país). Já os 34 aeroportos somados fecharam o mesmo ano com 44,9 milhões de passageiros (20,5%), cerca de 81% a mais.

Este contraste entre o leilão de 2013 e o de 2021 não é explicado somente pela mudança no cenário econômico ou pela crise provocada pela pandemia de covid-19, mas também pela evolução no modelo de concessão de aeroportos após quase dez anos de leilões. O momento de otimismo na precificação e as altas expectativas dos primeiros leilões resultaram em desempenho abaixo do esperado, revisão de  contratos e até dificuldades financeiras e operacionais de concessionárias nos últimos anos. Esse fenômeno levou o governo a pensar em um modelo mais sustentável a longo prazo para evitar novos casos de relicitação.

“O governo federal aprendeu com essa evolução (dez anos de concessão), assim como os investidores também aprenderam. Havia a ideia de que uma outorga bilionária justificava a transferência dos ativos para o setor privado, mas é necessário por no contexto da época

“Temos dez anos de concessões de aeroportos, então realmente houve uma evolução. O governo federal aprendeu com essa evolução, assim como os investidores também aprenderam. Havia a ideia de que uma outorga bilionária justificava a transferência dos ativos para o setor privado, mas é necessário por no contexto da época. Tínhamos de 2010 a 2014 um Brasil otimista, com a economia caminhando bem e a demanda crescente. A mudança é fruto do cenário macroeconômico”, explica o advogado Massami Uyeda Junior, sócio da Arap, Nishi & Uyeda Advogados, escritório especializado na modelagem de projetos de infraestrutura.

Entre projetos que frustraram concessionárias e retornarão a leilão estão os Aeroporto de São Gonçalo do Amarante/Natal (RN) e o de Viracopos/Campinas (SP). Para Viracopos, por exemplo, o governo estimou na concessão uma movimentação de passageiros acima dos 20 milhões em 2018. O terminal, no entanto, ficou abaixo dos 10 milhões. Esta realidade abaixo da expectativa levou Viracopos a pedir recuperação judicial no mesmo ano. Com isso, os credores serão ressarcidos após o novo leilão. A concessionária, no entanto, continua administrando o aeroporto e inlusive o levou ao posto de mais bem avaliados do País, de acordo com a Pesquisa de Satisfação do Passageiro da Secretaria Nacional de Aviação Civil (SAC).

No caso de Natal, primeiro aeroporto concedido à iniciativa privada, a concessionária Inframerica anunciou a devolução da concessão no início de 2020. No leilão, em 2011, a estimativa era de que em 2019 o aeroporto movimentasse 4,3 milhões de passageiros, muito mais do que os 2,3 milhões efetivamente registrados. A empresa, que calcula um investimento de R$ 700 milhões, entrou com um pedido de indenização, conforme a Lei 13.448/2017, que trata da devolução amigável de concessões. Com isso, a concessionária continua administrando o terminal até a concessão e será ressarcida após o novo leilão.

“O boom na demanda contava para a análise do governo, que fazia a modelagem, e dos investidores, que estavam otimistas. Com o quadro de recessão, iniciado em 2015 e a frustração de receitas, as expectativas e os modelos passaram a ser ajustados”, destaca Uyeda Junior.

Valores dos lances vencedores e ágios dos leilões de aeroportos

Valores e ágios dos lances vencedores dos leilões de aeroportos

Entre mudanças das últimas rodadas, decorrentes deste ajuste, se destaca o fim da outorga fixa anual, parcela referente ao total oferecido no leilão dividido pelo número de anos da concessão (ajustado pela inflação). Neste modelo, entre 5% e 10% do valor do lance deveria ser pago nos cinco primeiros anos de contrato. Além dos impactos da crise econômica, a inflação no período também contribuiu para o peso desta outorga. Um exemplo é Guarulhos, que no início da concessão tinha uma outorga de R$ 810 milhões e hoje arca com o valor de R$ 1,2 bilhão anualmente.

Nas primeiras rodadas o lance mínimo era pensado como um preço de aquisição de todo o aeroporto, ou seja um valor mínimo satisfatório para a outorga paga em todo o período. Já na 5ª e 6ª rodadas esse lance mínimo passou a ser estipulado com base no valor presente líquido (VPL), fórmula que considera receitas, custos e o investimento inicial necessário. Os lances vencedores do leilão também passaram a ser pagos de maneira integral na assinatura do contrato.

“Com relação a questão do ágio, a gente tem que entender como é feito o pagamento da outorga ao longo do tempo. É uma composição de uma outorga que é paga upfront (na assinatura do contrato), que é um percentual do valor presente líquido (VPL) do projeto, e isso tinha que ser pago agora. Mas a gente tem outros componentes de outorga variável ao longo do projeto. Quando a gente pega a outorga como um todo vamos ver que os ágios expressivos são e relação ao pagamento upfront”, destacou o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, durante coletiva de imprensa após o leilão da 6ª rodada.

Este VPL é definido com base nos Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTA) no âmbito der Programa de Parcerias e Investimentos do governo (PPI), criado em 2016 pela lei 13.334. A ideia do governo foi não pensar simplesmente no investimento mínimo como um preço pela concessão do equipamento, mas um modelo financeiramente viável que evitasse quebras de contrato.

Foram adotadas outras mudanças significativas para garantir mais atratividade à concessão e reduzir riscos das concessionárias, como a carência de cinco e depois quatro anos para começar a pagar a outorga variável (percentual da receita bruta do aeroporto a ser pago anualmente pela concessionária), além de um aumento escalonado do percentual do 6º até o 10º ano do contrato, se mantendo o mesmo no restante da concessão. Os investimentos nos aeroportos passaram a ser por gatilho, ou seja, com base no crescimento da demanda.

Vale lembrar que fazem parte do contrato investimentos iniciais, como encargos sociais de dispensa de empregados, reformas prediais, de banheiros e fraldários, ajustes de sinalização climatização e iluminação, ajustes de pista e pátio para garantir a operação de no mínimo aeronaves código 3C (A318, A319, B737, E190 e ATR 72),  além da implementação de internet Wi-Fi.

“O que interessa para nós nunca foi arrecadação. Não estamos preocupados com ágio do leilão estamos preocupados com o investimento que vai ser gerado. Um investimento que vai ser compatível com a demanda, que é o grande fator de sucesso para uma concessão ser bem-sucedida, atrelar investimento com demanda. Quando isso não aconteceu, as concessões deram errado”, completou o ministro.

Ministro Tarcísio Freitas durante coletiva de imprensa após o leilão de aeroportos (Foto: Ricardo Botelho/MinInfra)

Ministro Tarcísio Freitas durante coletiva de imprensa após o leilão de aeroportos (Foto: Ricardo Botelho/MinInfra)

CENÁRIO DOS PRIMEIROS LEILÕES

A seis rodadas de concessões ilustram bem o momento vivido pelo Brasil ao longo da última década. Entre 2009 e 2011, o número de passageiros em voos no Brasil saltou de 69,4 mil para 99,7 mil (+43%). A demanda crescente e a necessidade investimentos para realização de grandes eventos, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olímpiadas de 2016 explicam cenário em que se iniciam o repasse de aeroportos à iniciativa privada

O primeiro leilão foi do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte, arrematado por R$ 170 milhões pelo consórcio Inframerica, em 2011. O valor representou um ágio de 228%. A concessão, que visava a construção do aeroporto, funcionou como piloto para as seguintes, que envolveriam os principais terminais do Brasil.

Nas duas rodadas seguintes foram a leilão alguns dos maiores aeroportos do País. Na segunda, em 2012, foram arrematados por R$ 24,5 bilhões os aeroportos de Guarulhos (R$ 16 bi), Viracopos (R$ 3,8 bi) e Brasília (R$ 4,5 bi). O ágio total do leilão foi de 347%, considerando o valor mínimo R$ 5,47 bilhões que o governo pedia pelos três aeroportos. O leilão da terceira rodada, em 2013, às vésperas da Copa do Mundo, levantou de R$ 20,8 bilhões, sendo R$ 19 bilhões pelo Galeão e R$ 1,82 bilhões por Confins. O valor representou um ágio de 251,74% em relação ao mínimo fixado pelo governo, de R$ 5,9 bilhões.

Os anos seguintes, no entanto, foram marcados por crise política e econômica. As investigações da Operação lava-jato tiraram de cena grandes empreiteiras que participaram das primeiras rodadas de concessão. Já a recessão econômica, entre os anos de 2015 e 2016, foi responsável por uma queda de quase 7% na demanda de passageiros.

MUDANÇA NO FORMATO

Neste cenário de incertezas, aconteceu, em 2017, o leilão da quarta rodada, com os aeroportos de Porto Alegre, Fortaleza, Salvador e Florianópolis. Os lances mínimos foram estipulados em 25% da outorga pela concessão, parte que deveria ser paga na assinatura do contrato, juntamente com o ágio. O ajuste de expectativa e o receio do mercado podem ser analisados pelos valores e ágios envolvidos. O aeroporto de Salvador foi arrematado por R$ 660,9 milhões (ágio foi de 113,2%), Fortaleza por R$ 425 milhões (ágio de 18%), Porto Alegre por R$ 290,5 milhões (ágio de 852%), e Florianópolis por R$ 83,3 milhões (ágio de 57%).

Modelos de concessão nas seis rodadas

Modelos de concessão nas seis rodadas

A quarta rodada marcou também a saída dos consórcios formados pro grandes empreiteiras e a entrada de administradores de aeroportos com atuação internacional, como Zurich (Suíça), Fraport (Alemanha) e Vinci (França). Na sexta rodada, a Aena (Espanha) se juntou a este grupo.

“Acho que isso tem muito a ver com a lava-jato. As empreiteiras que participaram das primeiras rodadas tinham como premissas linhas de crédito para financiar estes projetos. Com a chegada da lava-jato essas linhas de crédito sumiram, tantos as comerciais quanto de bancos de fomento, como o BNDES. Então, o encurtamento desse mercado de crédito para essas empresas envolvidas na lava-jato abriu espaço para que essas operadoras entrassem”, analisa Massami Uyeda Junior.

A quarta rodada também marcou o fim da participação de 49% da Infraero nas concessões, presente nos leilões da segunda e terceira rodada. A medida, vista como uma forma de manter o órgão capitalizado para administrar aeroportos menos rentáveis se mostrou ineficaz, uma vez que as projeções não se concretizaram e a Infraero também não foi capaz de realizar investimentos compatíveis à sua participação. A venda destes 49% nos aeroportos de Guarulhos, Viracopos, Confis, Gaelão e Brasília também está prevista no âmbito do PPI.

LEILÃO EM BLOCOS

O leilão da quinta rodada, realizado em março de 2019 trouxe uma inovação: o leilão em blocos. Nesse formato foram incluídos em um mesmo bloco aeroportos de grande interesse localizados em capitais e terminais menores. Com isso, o participante interessado em garantir um Aeroporto estratégico, como Recife, com 14 milhões de passageiros por ano, seria responsável também pelo Aeroporto de Campina Grande, de pouco mais de 140 mil.

Representante da Aena arremata o bloco nordeste ao lado do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

Representante da Aena arremata o bloco Nordeste ao lado do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, no leilão da 5ª rodada, o primeiro em modelo de blocos (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

A quinta rodada também foi a primeira a adotar o modelo do VPL para lances mínimos. Os aeroportos deficitários não afastaram o interesse e o leilão resultou em grandes ágios para os três blocos concedidos: Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste. Nesta rodada também foi praticada a carência de cinco anos para o pagamento da outorga variável e  foi implantado o investimento com gatilho de demanda.

Os baixos valores de lance mínimo para Nordeste (R$ 171 milhões), Sudeste (R$ 46,9 milhões) e Centro-Oeste (R$ 826 mil), geraram questionamento sobre uma precificação abaixo do ideal, hipótese reforçada pelos ágios do leilão, que foi de 1.010% no caso do Nordeste e de 4.739% para o Centro-Oeste e 830% para o Sudeste. O mesmo fenômeno ocorreu agora, na sexta rodada, com ágios que variaram de 777,47% a 9.156,01%.

Para Massami essa diferença na precificação seria natural por se tratar de aeroportos que necessitam de um investimento inicial maior, por ter aeroportos menos movimentados que os das primeiras rodas e por envolver terminais que hoje são deficitários. “O governo passou a ser mais realista nos estudos. Há aeroportos importantes nesses blocos, mas comparado com os primeiros são bem menores. Além disso, essas concessões em blocos carregaram aeroportos deficitários, diferente das primeiras rodadas que só tinha aeroportos superavitários. Por mais que tenha aeroportos de destaque, eles carregam aeroportos que hoje geram prejuízo. Os blocos são uma evolução do modelo. Pois você passa a ter um nível de serviço não só nos grandes aeroportos. Para o investidor também é uma evolução, porque ele entra para fazer uma gestão desses ativos e pensar em tornar aeroportos superavitários”, salienta o advogado.

O modelo será adotado também para a sétima e última rodada de concessões de aeroportos. Desta etapa farão parte os principais ativos da Infraero: Congonhas e Santos Dumont, e também será dividida em três blocos. O primeiro é RJ-MG, que incluirá Santos Dumont (RJ), Jacarepaguá (RJ), Uberlândia (MG), Montes Claros (MG) e Uberaba (MG). O segundo é o Bloco SP-MS, que inclui Congonhas (SP), Campo de Marte (SP), Campo Grande (MS), Corumbá (MS) e Ponta Porã (MS). O terceiro bloco será o Norte II, com Belém (PA), Santarém (PA), Marabá (PA), Carajás (PA), Altamira (PA), Macapá (AP) e outros oito aeroportos regionais do Amazonas, que serão objeto de uma PPP, a primeira aeroportuária a ser realizada pelo Governo Federal.

A 7ª rodada ainda está em fase de estudos. A expectativa é que agora, após o leilão da 6ª rodada o governo concentre esforços na sua elaboração. A próxima etapa será processo de consulta pública para a elaboração dos editais.

Aeroportos leiloados entre a 1ª e 5ª rodada e sua participação na movimentação de passageiros (em 2019)

Aeroportos leiloados entre a 1ª e 5ª rodada e sua participação na movimentação de passageiros em 2019 (Foto: Apresentação PPI)

Aeroportos leiloados entre a 6ª rodada e sua participação na movimentação de passageiros (em 2019)

Aeroportos leiloados entre a 6ª rodada e sua participação na movimentação de passageiros em 2019 (Foto: Apresentação PPI)

SEGURANÇA NA REGULAÇÃO

Ao longo deste processo de concessões, alguns fatores chamaram atenção além da mudança dos modelos. O papel da Agência Nacional de Aviação Civil na resolução de empasses soou positivamente no mercado, assim como legislações que minimizaram prejuízos das concessionárias em virtude da expectativa frustrada.

Um exemplo é a Lei 13.448/2017, que regulamenta a rescisão amigável de concessões. Este dispositivo é o que permitiu uma solução eficiente em Viracopos e em Natal sem prejudicar a prestação do serviço ao passageiro.

Já no âmbito da pandemia, o governo editou a MP 925/2020, que permitiu adiar para dezembro o pagamento das outorgas fixas e variáveis que as concessionárias deveriam efetuar nos meses de maio e julho. Além disso, a Anac aprovou, entre o fim do ano passado e o início deste, revisões extraordinárias dos contratos de concessão em razão dos impactos econômicos provocados pela pandemia de Covid-19.

“Na crise agora, o setor de aviação no Brasil deu uma demonstração muito interessante. Foi o primeiro a reconhecer a pandemia como uma situação de força maior, foi o primeiro que veio com medidas de proteção de caixa, para as companhias aéreas e também para as concessionárias de aeroportos”

O chamado reequilíbrio econômico-financeiro foi aplicado a todos os aeroportos das quatro primeiras rodadas de concessão e resultou em um montante proporcional a redução do número de passageiros, que será descontado do valor das outorgas a serem pagas futuramente. Os valores variam de R$ 37,2 milhões, no caso do Aeroporto de Florianópolis, a R$ 854 milhões, no caso de Guarulhos.

“Na crise agora, o setor de aviação no Brasil deu uma demonstração muito interessante. Foi o primeiro a reconhecer a pandemia como uma situação de força maior, foi o primeiro que veio com medidas de proteção de caixa, para as companhias aéreas e também para as concessionárias de aeroportos e atuou no reperfilamento das outorgas e no reequilíbrio econômico e financeiro. Fez isso de uma maneira muito rápida, mais rápida que em diversos países do mundo. Tudo isso porque existe maturidade na regulação e isso passa confiança”, afirmou o ministro Tarcísio Freitas durante o leilão da 6ª rodada.

REEQUILÍBRIO

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