Crie um atalho do M&E no seu aparelho!
Toque e selecione Adicionar à tela de início.

Destinos

Overtourism: o fantasma que acompanha o crescimento do turismo internacional

Veneza, na Itália, perdeu quase metade de sua população residente Foto - Getty Images

Veneza, na Itália, uma das cidades que mais sofre com o fluxo de turistas – Foto – Getty Images

O ano de 2017 marcou o crescimento de 7% no turismo internacional em relação ao ano anterior. Ao todo, 1,3 bilhão de pessoas fizeram viagens internacionais, o melhor resultado registrado pela Organização Mundial do Turismo (OMT) nos últimos sete anos. Para 2018 a previsão de crescimento é entre 4% e 5%. A expectativa é de que este número chegue a 1,8 bilhão até 2030, o que significa que a cada cinco pessoas no mundo, uma será turista, de acordo com a OMT.

Ao mesmo tempo em que este avanço dos números é comemorado por destinos, companhias aéreas, empresas de cruzeiros e outros segmentos que compõem o Turismo, cresce em diversas esferas do setor uma preocupação com as consequências provocadas pelo overtourism, principalmente no que diz respeito à qualidade de vida dos moradores dos grandes centros turísticos.

Este fenômeno pode ser ilustrado pela Europa, que já vê grandes cidades sentirem os efeitos do turismo de massa. No ano passado o continente alcançou a marca de 671 milhões de turistas, aproximadamente 52% do total registrado no mundo inteiro.Turismo internacional 2017

A Espanha cresceu pelo quinto ano consecutivo e chegou à casa dos 82 milhões de turistas se tornando o segundo país mais visitado do mundo, ultrapassando os Estados Unidos e ficando atrás apenas da França.

O crescimento da atividade turística, porém, vem incomodando moradores das principais cidades espanholas, com destaque para Barcelona, que foi palco de diversos protestos no decorrer do ano passado.

“Durante crise da Espanha o turismo foi o único que gerou emprego e renda. Isso gerou boa vontade política em relação ao turismo. Com mais fluxo houve um over de turistas. O turismo é benéfico, mas não pode interferir na estrutura local. A população não pode se sentir preterida ao turista, que por sua vez deve se beneficiar das coisas que já existem para a população e ter algo mais como sinalização, hotéis e essas coisas”, destaca o conselheiro de Programas Operacionais e Relações Institucionais da OMT, Marcio Favilla.

“Durante crise da Espanha o turismo foi o único que gerou emprego e renda” – Marcio Favilla

O incômodo crescente fez com que a prefeitura local adotasse medidas para reduzir o fluxo de turistas, entre elas, controlar a construção de novos empreendimentos hoteleiros. A medida, no entanto, ocasionou um crescimento no aluguel de moradias temporárias e, consequentemente, um boom no preço dos aluguéis.

“Em Barcelona ocorreu a proibição da construção de novos empreendimentos na cidade, aí a demanda foi atendida pelos apartamentos privados e veio a briga dos hoteleiros com o Airbnb. A população local reclama que o aluguel sobe, e assim cria-se outro problema. A gestão é que deve identificar os problemas e encontrar soluções. Não é ser contra o turista é só organizar as coisas”, explica Favilla.

Diretor da OMT realizará palestra no evento no dia 13 de abril

Marcio Favilla, conselheiro da OMT

Outra cidade que apresenta um quadro de alerta em relação ao turismo de massa é Veneza, na Itália, que em dez anos perdeu quase metade de sua população residente, que hoje está em torno de 55 mil habitantes.  O medo constante de que a cidade venha a desaparecer, faz com que os 30 milhões de turistas a incluam constantemente em seu roteiro de viagens anualmente. A especulação imobiliária e os danos à infraestrutura fizeram o que o governo local também estudasse medidas para reduzir o fluxo turístico.

Na capital da Islândia, Reykjavík, de 122 mil habitantes, o número de turistas aumentou quase cinco vezes em dez anos, fechando o ano passado em 2,3 milhões de visitantes. Aumento de impostos a hoteleiros e taxas de turismo já entraram na pauta do país como alternativas para redução do número de visitantes.

Na capital da Islândia, Reykjavík, o número de turistas cresceu 5x em dez anos

Medidas emergenciais como estas ilustram a falta de um planejamento e de gestão turística em grandes cidades e representam uma contradição, tendo em vista as mesma cidades que hoje procuram alternativas contra o overtourism há pouco tempo concentravam esforços na promoção do destino.

Mariana Aldrigui

Mariana Aldrigui

“A gente comemora números sem entender o que eles querem dizer e estas grandes cidades se encantaram com os números de turistas em algum momento. Não faz sentido, depois de todo um trabalho de promoção e consolidação de marca, o destino resolver que não quer mais turistas”, analisa a professora e pesquisadora na área de políticas públicas de turismo da USP e presidente do Conselho de Turismo da Fecomercio-SP, Mariana Aldrigui.

Para a especialista o fenômeno do turismo de massa trouxe consigo a necessidade de pensar o turismo de maneira diferente, incluindo-o como política pública da cidade e não só como uma fonte de receita.

“Existem muitas questões que estão por trás do que simplesmente combater o overtourism. Para destinos consolidados e que se renovam, como Londres, Paris, Madri e Barcelona, é necessário que os responsáveis pela gestão do turismo conversem no mesmo nível  de profundidade com outras áreas, não se deixando levar apenas pela empolgação de trazer mais turistas. A lógica é que no momento em que qualquer cidade do mundo colocar turismo na pauta, tem que colocar em todas as pautas, como emprego, mobilidade urbana e sustentabilidade. Não é só o aspecto positivo, tem que se pensar o negativo também”, salienta a professora e pesquisadora.

“A gente comemora números sem entender o que eles querem dizer” – Mariana Aldrigui

EFEITO LOW COST

Diretamente ligado ao crescimento do fluxo turístico está o “efeito low cost”, responsável por tornar mais democrático o acesso às viagens internacionais e mudar o padrão de consumo dos turistas. Promoções aéreas e de hotéis, pacotes turísticos e moradias temporárias vêm trazendo para os grandes centros um turista que gasta menos do que o habitual, mas causa um impacto igual ou maior à população local.

E com o aumento da demanda deste perfil consumidor, logicamente grandes players do turismo optam pelo incremento de oferta, em alguns casos quase que de maneira instantânea a este estímulo do mercado. Os movimentos, porém, muitas vezes não são acompanhados por quem planeja o turismo nas grandes cidades. Com isso, a resposta mais rápida dos gestores locais passa sempre por restrição ou taxação de serviços, como maneira emergencial de combater a chegada em massa de turistas.

O poder público, na maioria dos casos sempre pensa de maneiras reativas ou negativas, na linha da taxação ou da proibição – Mariana Aldrigui

“A velocidade com que o mercado age para atender as demandas do consumidor é muito maior que a resposta do poder público. E o poder público, na maioria dos casos sempre pensa de maneiras reativas ou negativas, na linha da taxação ou da proibição, e não considera alternativas para diluir o público, direcionar para outras áreas e criar um calendário que favorece esta distribuição.  Quando se aumenta o número de voos, as notícias são sempre de comemoração. Não se leva em conta o impacto que este aumento trará para o destino”, analisa Mariana Aldrigui.

TURISTAS TAMBÉM SENTEM

O impacto do overtourism não atinge somente moradores, mas afeta a experiência dos turistas. De acordo com dados do World Travel Monitor, 25% dos turistas internacionais já tem a percepção de destinos lotados. Além disso, 9% destaca que este fator está afetando a qualidade da viagem. O número sobe para 13% em famílias que viajam com filhos.

25% dos turistas internacionais já percebem destinos excessivamente cheios

A sazonalidade também foi apontada pelo levantamento como um fator responsável por este excesso de turistas nas grandes cidades. Destinos de neve são apontados como os mais prejudicados. Um em cada cinco turistas (19%) disseram que suas viagens afetadas pelo excesso de turistas.

Já no que diz respeito a cruzeiros, viagens para cidades turísticas, destinos de sol e praia ou campo o World Travel Monitor apontou que as cidades com mais queixa dos turistas são Guangzhou (24%), Xangai (23%) e Pequim (23%), na China, além de Amsterdã e Istambul (19%) e Barcelona e Veneza (18%). O estudo ouviu 25 mil turistas em 24 países de Europa, Ásia e Américas em setembro de 2017

EM BUSCA DE SOLUÇÕES

Turistas no Parque Guell, em Barcelona - Getty Images

Turistas no Parque Guell, em Barcelona – Getty Images

No 25º Fórum do Instituto de Pesquisa IPK Internacional, realizado no fim de 2017 em Pisa, na Itália, foi debatida a necessidade de que a indústria do turismo trabalhe juntamente com os destinos para promover práticas de turismo sustentável. Adoção de estratégias coordenadas para evitar o turismo exagerado em diversas localidades foi pauta de muitos oradores.

Grande parte dos debates girou em torno exatamente da sazonalidade e da distribuição dos fluxos por outros destinos. Um dos palestrantes, especialista em cruzeiros, Alexis Papathanassis, diretor do Instituto de Turismo Marítimo de Bremerhaven, na Alemanha, reforçou a ideia de estimular fluxos fora da sazonalidade.  “O overtourism é um problema muito localizado em certos momentos em certos lugares e nem sempre é um problema para os arredores destas cidades. O problema não é o excesso de turismo em geral, mas a  falta de gestão do turismo. As soluções precisavam ser encontradas em destinos abordando a sazonalidade e não limitando a demanda”, opinou.

No que diz respeito a moradias temporárias, uma solução, de acordo com Mariana Aldrigui, pode ser o controle de tempo, ou seja, possibilitando um aluguel permanente por um preço condizente com a realidade local por um determinado período de tempo, e limitando o período de utilização do imóvel como moradia temporária. “A limitação do tempo do aluguel temporário é algo que faz mais sentido.  É uma tendência para cidades que tenham clareza entre alta e baixa temporada e também para cidades que têm dupla vocação, como educacional e turística”, ressalta.

Assim como esta, é necessário encontrar outras alternativas que não se limitem a medidas punitivas, mas sim a ações que possibilitem um boa experiência para turistas e a manutenção da qualidade de vida dos moradores.

“A regulamentação tem que passar apenas pela lógica de não prejudicar a qualidade vida no local e não pelo interesse exclusivo de alguns setores. O turista é muito importante, mas o ponto de vista fundamental é o morador. O grande atrativo turístico destas cidades é a qualidade de vida de quem mora”, completa a presidente do Conselho de Turismo da Fecomercio-SP.

Receba nossas newsletters