A Câmara dos Deputados aprovou na noite da última quarta-feira (3) o Projeto de Lei 5638/20, que, entre outras medidas, prevê a prorrogação, até dezembro de 2021, dos efeitos da Lei 14.046/2020, que dispensa a obrigatoriedade de reembolso de serviços turísticos e eventos cancelados, e da 14.020, que institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. A matéria agora segue para análise no Senado.
O texto original é de autoria do deputado Felipe Carreras (PSB-PE) e de outros sete deputados, mas a versão aprovada no plenário é um substitutivo da relatora, deputada Renata Abreu (Pode-SP). Além de estender os efeitos das duas leis, o projeto cria o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), com deduções fiscais e renegociação de dívidas com o governo federal, além de prever a prorrogação do Programa Emergencial de Acesso a Crédito, que coloca a União como fiadora de empréstimos em bancos públicos e provados.
Para custear os benefícios concedidos, o projeto destina, além dos recursos orçamentários e do Tesouro Nacional, 3% do dinheiro arrecadado com as loterias administradas pela Caixa Econômica Federal e com a Lotex. Isso inclui a loteria federal, os concursos de números e as loterias esportivas. Os recursos sairiam da cota atualmente destinada ao prêmio bruto, mas a redução vale apenas em 2021.
A proposta inicial era dedicada somente ao setor de eventos. Mas, a relatora atendeu a pedidos do setor de turismo e incluiu no substitutivo todas atividades classificadas como serviços turísticos na Lei Geral do Turismo (11.771/2008), entre elas meios de hospedagem, agências de turismo, transportadoras turísticas, acampamentos turísticos e parques temáticos.
ATRITOS COM O GOVERNO
Fontes ligadas ao Congresso e ao setor de Turismo informaram que o governo é contrário a diversas partes do texto, principalmente nos ministérios do Turismo, Economia e Justiça, o que deve acarretar dificuldades da tramitação do texto no Senado, ou, em caso de aprovação, em vetos a grande parte do projeto pelo presidente Jair Bolsonaro.
Entre os parlamentares envolvidos no projeto, o discurso é de que o governou evitou discutir os temas mais sensíveis, como a redução tributária. Fontes da Câmara informaram que o governo não é contrário à proposta renegociação das dívidas, mas a queria em outros moldes. Já em relação a extensão do programa de Proteção ao Emprego, a intenção do Ministério da Economia era fazer isso de uma forma geral, e não somente para uma categoria.
Apesar da discordância com o governo, a maioria dos partidos era favorável à proposta, o que levou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) a pautar a matéria. O Partido Novo foi o único contrário.
Já nos bastidores do Turismo, o entendimento é de que o governo era contrário a todo o projeto, principalmente pelo impacto orçamentário resultante de parte das propostas, que podem se chocar com a Lei de Responsabilidade Fiscal. O temor do setor é que, caso a proposta seja aprovada no Senado, o presidente a vete na íntegra, o que implicaria também na questão do reembolso.
Por conta deste receio, o turismo segue o trabalho junto ao governo para a publicação de uma Medida Provisória que trate exclusivamente da questão do reembolso. Além de garantir um efeito imediato, por se tratar de uma MP, a nova proposta abordará questões que não foram tratadas no projeto aprovado pela Câmara, como o efeito retroativo da prorrogação para reservas efetuadas desde 1º de janeiro. A expectativa é de que esta proposta seja publicada ainda no primeiro semestre.
REEMBOLSO
Texto resultante da MP 948, a Lei 14.046 foi sancionada em agosto de 2020 e estabeleceu que, na hipótese de adiamento ou de cancelamento de serviços turísticos ou de eventos, o prestador de serviços não seria obrigado a reembolsar o cliente desde que realizasse, sem custos, a remarcação do serviço ou disponibilizasse o crédito equivalente ao valor pago para a compra de outro produto. Caso a empresa não atenda a nenhuma das condições tem até 12 meses para efetuar o reembolso.
A Lei, no entanto, estabelece que a regra que desobriga o reembolso seria válida somente até o fim do estado de calamidade (31/12/2020). O cliente, por sua vez, poderia usar os créditos ou a remarcação somente no período de 12 meses após o fim do estado de calamidade (até 31/12/2021). O projeto prevê que a prorrogação da dispensa do reembolso valeria até o fim de 2021.
PROGRAMA DE PROTEÇÃO AO EMPREGO
O Projeto de Lei prevê a prorrogação do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda até 31 de dezembro de 2021. A medida, criada pela Lei 14.020, garante o pagamento, pelo governo federal, de uma parte do seguro-desemprego ao trabalhador que teve o contrato de trabalho suspenso ou reduzido (salário e carga horária). O programa acabou em 2020, com o fim do estado de calamidade.
O valor do benefício a ser pago pelo governo também aumenta caso a redução de jornada seja negociada por meio de convenção ou negociação coletiva. Durante a vigência do programa, os pagamentos estiveram limitados a 25%, 50% ou 70% do salário-desemprego nessas negociações. Com o projeto, o valor pode chegar a 100%, sendo proporcional à redução (se houver redução de 85% do salário, por exemplo, o benefício seria de 85% do seguro).
REDUÇÃO TRIBUTÁRIA E REFIS
Um dos destaques do projeto é a alíquota zero do PIS/Pasep, da Cofins e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) por 60 meses e a extensão, até 31 de dezembro de 2021, do Programa Emergencial de Acesso a Crédito (Peac) para as empresas do setor.
O texto também prevê modelos de renegociação das dívidas com o governo federal. A regra geral será de desconto de até 70% sobre o valor total da dívida e até 145 meses para pagar, exceto os débitos previdenciários, para os quais a Constituição limita o parcelamento em 60 meses. A adesão a essa transação proposta pelo poder público poderá ocorrer em até quatro meses após regulamentação, mas o contribuinte poderá propor uma transação com requerimento individual ou mesmo por meio de associações do setor.
Poderão ser parcelados os débitos com a Receita Federal e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), além do FGTS. Ao participar, o contribuinte deverá desistir de ações administrativas e na Justiça, renunciando a seus argumentos jurídicos e confessando a dívida incluída no parcelamento.
CRÉDITO
O PL também prevê a prorrogação do Programa Emergencial de Acesso a Crédito (Peac), previsto na Lei 14.042/20, até o fim de 2021. Por meio desse programa, os bancos públicos e privados contam com garantia da União por meio do Fundo de Garantia para Investimentos (FGI) ou do Fundo Garantidor de Operações (FGO), no caso de microempresas, quando da concessão ou renovação de empréstimos.
As condições contratuais ofertadas deverão ser similares às praticadas em 2020, e os fundos deverão contar com aporte adicional do governo federal em valor equivalente a 10% do aplicado no ano passado. Até 30 de junho de 2021, os bancos não precisarão exigir vários documentos que atestam regularidade com tributos e contribuições federais.