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Agências e Operadoras / Política / Serviços

IRRF: como o imposto surgiu no Turismo e por que está próximo de uma solução

 

IRRF para remessas enviadas ao exterior tem grande impacto para competitividade das agências e operadoras brasileiras.

IRRF sobre remessas enviadas ao exterior tem grande impacto para competitividade das agências e operadoras brasileiras.

Um cliente se dirige a uma agência de viagens para reservar um hotel nos Estados Unidos e se depara com o valor de quase US$ 130 pela diária da hospedagem. Ao conferir o preço do mesmo hotel e para as mesmas datas em um broker estrangeiro, a diária sai por US$ 100, valor que compensa mesmo com o IOF de 6,38% do cartão de crédito, que elevará o valor desta reserva para pouco mais de US$ 106. Dependendo do número de dias, esta diferença de quase US$ 24 entre o preço da agência e do site será determinante para que o cliente opte pela reserva online, ainda mais em um cenário em que a moeda norte-americana está cotada na casa dos R$ 5,10.

Para o cliente, a opção foi lógica: a agência era mais cara. No entanto, este acréscimo na tarifa não ocorreu pelo fato de o site ter preços melhores ou por um comissionamento alto para o agente, mas sim por uma diferença de competitividade entre ambos, que pode ser explicada por quatro letras: IRRF.

O Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) para remessas enviadas ao exterior é o fator que desequilibra a balança. O tributo que atualmente conta com uma alíquota de 25%, incide sobre o pagamento de fornecedores no exterior, como receptivos, hotéis, atrações e outros serviços turísticos. Apesar de alíquota ser de 25%, na prática ela se torna de 33,33%, isso porque o tributo tem que ser descontado (retido na fonte) de quem envia o dinheiro e não do prestador de serviços.

Neste exemplo citado, o mesmo hotel tem a diária de US$ 100 tanto para a agência brasileira como para o broker estrangeiro. No entanto, enquanto para o site este é o preço final, para agência há ainda uma conta a mais a se fazer. Em caso de uma comissão de 10% (US$ 10) o agente teria que transferir ao fornecedor US$ 90. Para que o agente envie este valor exato ao fornecedor deve fazer uma conta em que o valor que deve ser enviado represente 75% do total, sendo os outros 25% referente ao imposto que ficará retido na fonte. Neste caso, o valor total da transferência seria de US$ 120 (US$ 120 -25% = US$ 90).

Ao somar os US$ 120 enviados ao fornecedor à comissão de US$ 10 chegamos ao valor total da venda para o cliente final. Ainda se junta a este valor o IOF de 0,38%, pago pela transferência. Ou seja, ainda que o agente abrisse mão de sua comissão, teria um preço quase US$ 14 acima do site estrangeiro. Competir, neste caso, seria praticamente ‘pagar para vender’.

Exemplo simplificado mostra a diferença que o IRRF tem no preço final.

Exemplo simplificado mostra a diferença que o IRRF tem no preço final.

ACORDOS INTERNACIONAIS

A cobrança deste imposto não é regra para todos os destinos. Em 33 países, com os quais o Brasil tem acordos internacionais, o imposto é considerado bitributação e não é cobrado. Nestes casos, tanto em remessas enviadas daqui para fornecedores estrangeiros, quanto as do exterior para fornecedores brasileiros o imposto não é cobrado.

Esta lista inclui destinos tradicionais, como Espanha, Itália, França, Portugal, México, Argentina, Chile e Canadá. Um dos principais destinos para turistas brasileiros, os Estados Unidos não integram a lista. Houve um início de negociações com a embaixada dos EUA para costurar um acordo entre os dois países. No entanto, a medida precisaria de aprovação do Congresso dos EUA. A inclusão do tema na pauta é considerada improvável no momento. Um país que já integrou a lista é a Alemanha, mas o acordo terminou em 2006.

Países listados no site da Receita Federal com os quais o Brasil já firmou acordos tributários. A excessão fica por conta da Alemanha, país cujo o acordo perdeu validade em 2006.

Países listados no site da Receita Federal com os quais o Brasil já firmou acordos tributários. A excessão fica por conta da Alemanha, país cujo o acordo perdeu validade em 2006.

SURGIMENTO DO IMPOSTO E HISTÓRICO

Esse desequilíbrio surgiu durante o governo Fernando Henrique Cardoso, em dezembro de 1998, pela Medida Provisória 1.788, convertida em lei em janeiro de 1999 (Lei 9.779/1999). No ocasião, foi estabelecida a alíquota de 25% para remessas enviadas ao exterior referentes a rendimento de trabalho, aposentadoria, pensão e prestação de serviços.

No entanto, este é mais um caso da história brasileira de “leis que não pegam”. Apesar de regulamentado, o tributo foi ignorado por empresas do setor durante anos e acabou não sendo cobrado. Em meados de 2008, no entanto, a existência deste tributo foi identificada durante um processo de consulta de grandes empresas brasileiras do turismo junto a Receita Federal. Questionado, o órgão se manifestou esclareceu que todas as empresas do setor deveriam pagar o tributo.

Começou então o primeiro movimento do trade turístico por uma isenção do IRRF para remessas ao exterior. Até que em dezembro de 2009, durante o governo Lula, a edição da Medida Provisória 472 estabeleceu a isenção do IRRF para remessas ao exterior.

A conversão da MP na Lei 12.249, de junho de 2010, definiu que a isenção iria de 1º de janeiro de 2011 a 31 de dezembro de 2015 e fixou um limite mensal de R$ 10 mil por passageiro para as agências e R$ 20 mil para outras empresas do turismo. A mesma lei também estabeleceu o fim deste limite a partir de 2013, desde que as empresas estivessem cadastradas no Ministério do Turismo e as transações fossem realizadas por instituições financeiras do Brasil.

Mas o assunto voltou ao centro do debate novamente em 2015. Após o país iniciar uma recessão econômica, que incluiu uma disparada do valor do dólar, o setor se deparou com o fim do período de cinco anos de isenção, estabelecido em 2010. Em janeiro de 2016 a alíquota voltou para 25%.

Já no fim de 2015, o setor iniciou uma campanha pela redução do IRRF. Essa campanha incluiu negociações com a Receita, Ministério da Fazenda (que no início queria uma alíquota de 15%) e ligações diárias de lideranças do setor ao gabinete da então presidente Dilma Rousseff. Ficou marcado um trabalho de articulação com o ministro do Turismo da época, Henrique Eduardo Alves.

A articulação deu resultado e, apenas dois meses após o aumento do imposto, a Medida Provisória 713 de março de 2016 reduziu novamente a alíquota, desta vez para 6%. A conversão da MP em lei foi sancionada em julho de 2016, já na gestão de Michel Temer. O texto estabeleceu a manutenção desta alíquota até 31 de dezembro de 2019.

Henrique Eduardo Alves e Dilma Rousseff durante assinatura de MP que reduziu o IRRF de 25% para 6%, em março de 2016

Henrique Eduardo Alves e Dilma Rousseff durante assinatura de MP que reduziu o IRRF de 25% para 6%, em março de 2016 (Foto: Agência Brasil)

NOVA MP, MUDANÇA NO CONGRESSO E IMPOSTO A 25%

Com a proximidade do fim do período de redução da alíquota, o setor se articulou com antecedência e uma nova redução foi incluída na MP 907, que transformou a Embratur em agência de promoção, publicada em novembro de 2019.

O novo texto propôs uma alíquota escalonada, que começaria em 7,9% em 2020 e iria até 15,5% em 2024. Este aumento em relação a alíquota anterior se deveu ao fato de a legislação não permitir a extensão de um subsídio no mesmo valor.

O texto se manteve da mesma forma no substitutivo apresentado pelo relator, deputado Newton Cardoso Junior, ao Congresso Nacional. No entanto, durante a votação na Câmara, em maio deste ano, os deputados entenderam que a medida se tratava de um aumento de imposto, tendo em vista que a alíquota era de 6% em 2019, não levando em consideração que, sem a MP, o imposto voltaria a 25% já a partir de janeiro deste ano.

Netow Cardoso Junior, relator da matéria e presidente da Câmara dos Deputados

Newton Cardoso Junior, relator da  MP 907 na Câmara dos Deputados, durante a votação do texto, em maio.

O texto passou pelo Congresso com a alíquota estabelecida novamente em 6%. No entanto, este ponto acabou sendo considerado inconstitucional e foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro, uma vez que o Legislativo não pode fazer com que a União abra mão de receitas sem indicar outras fontes de recursos. A sanção da lei e o veto desta parte do texto ocorreram em maio deste ano e, desde então, o imposto voltou para 25%.

Em meio à pandemia de Covid-19, a discussão do imposto ficou em segundo plano. Além da redução das viagens internacionais, devido ao fechamento de fronteiras, as articulações do setor junto ao governo se concentraram em medias emergenciais para garantir a sobrevivência das empresas de turismo. Após a edição de MPs direcionadas ao setor, o assunto voltou à pauta no segundo semestre.

UMA NOVA MP E A SOLUÇÃO DO PROBLEMA (POR CINCO ANOS)

Após as medidas emergenciais para conter os impactos da pandemia, o setor e o então ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio se concentram na elaboração de uma nova Medida Provisória para abrigar o tema. O assunto vem sendo tratado juntamente com o Ministério da Economia.

A redação da nova proposta já passou pela análise da Receita Federal e está perto de um desfecho. A expectativa do governo era anunciar a redução do IRRF durante a posse de Gilson Machado Neto no ministério do Turismo na última quinta-feira (17). Algo confidenciado pelo novo ministro.

“Ficamos até tarde com o ministro (da Economia) Paulo Guedes e esperávamos anunciar duas medidas, a redução do imposto do leasing de aeronaves a desoneração das remessas ao exterior. Mas isso está muito perto e vamos anunciar essas notícias para o trade”, afirmou Machado Neto.

Gilson Machado Neto, durante a posse como ministro do Turismo

Durante sua posse como ministro do Turismo, Gilson Machado Neto confirmou que a redução do tributo está próxima de ser concretizada

O tom de “resolução próxima” de Machado Neto é o mesmo adotado por algumas lideranças do Turismo nas últimas semanas. De acordo com informação apurada pelo M&E, a nova MP deve ser publicada ainda em 2020. O texto já passou pela equipe do Ministério da Economia e agora está análise técnica na Casa Civil. A proposta ainda precisa ser assinada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, antes de ser encaminhada para assinatura do presidente Jair Bolsonaro.

A expectativa é de que a nova alíquota seja de 7,9% para 2020, respeitando a Lei Orçamentária Anual (LOA), que já previa esta alíquota para o ano em virtude da MP 907. Já para 2021 retornará para 6%, como era até 2019. A nova alíquota terá validade até 2025. O retorno do imposto para o mesmo patamar ainda não é o cenário ideal, de acordo com lideranças do setor, mas é considerada uma grande vitória se comparada com a predatória alíquota de 25%.

Fontes que tratam das negociações já afirmaram que a própria equipe do Ministério da Economia não entende o motivo de existir um imposto como este sobre a atividade turística. O que justifica que tal tributo seja menos compreendido ainda por agências e operadoras.

Legislação do IRRF para remessas ao exterior surgiu no governo FHC, foi modificada nos governos de Lula, Dilma e agora Bolsonaro.

Legislação do IRRF para remessas ao exterior surgiu no governo FHC, foi modificada nos governos de Lula, Dilma e agora Bolsonaro.

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